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“Não sabia que podia fazer esse personagem”, diz príncipe negro da Disney

Em entrevista a VEJA, o ator Gabriel Vicente, que estrela o musical 'A Pequena Sereia', fala sobre como é dar vida ao par romântico da princesa Ariel

Por Marcelo Canquerino 5 set 2022, 09h55
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  • Após o sucesso estrondoso do musical A Pequena Sereia no Brasil, em 2018, a clássica peça da Broadway inspirada no conto de fadas da Disney retornou aos palcos com um segunda montagem este ano. Em cartaz até 16 de outubro no Teatro Santander, em São Paulo, o espetáculo veio com uma boa mudança: colocou em cena seu primeiro príncipe negro. Eric, par romântico de Ariel, ganhou vida e novos contornos na pele do ator Gabriel Vicente. O jovem, que teve uma infância humilde no bairro do Jaraguá, zona Oeste de São Paulo, iniciou nas artes logo cedo, quando na escola pública teve contato com teatro e circo, por exemplo. Mas o que o trouxe de fato para o mundo artístico foi o canto — nos corais de igreja, inicialmente, descobriu sua aptidão. Desde que voltou para o Brasil, na sequência da participação em uma companhia de dança na China, Vicente vem se destacando em diversas peças, como A Cor Púrpura Cartola – O Mundo é Um Moinho. Em entrevista a VEJA, o ator fala sobre a preparação para viver o príncipe Eric, e como foi dar vida a um personagem clássico da Disney. Confira:

    Como foi a preparação para viver o príncipe Eric? A preparação foi intensa. Oito horas de ensaio por dia, por dois meses e meio a três meses. Nesse caso foi um pouco mais rápido porque parte do elenco já tinha feito a primeira montagem, em 2018. Para mim, foi muito mais profundo, porque eu era novo na peça e tinha de pegar tudo nesse período. Além dos ensaios, você também consome horas do seu dia em casa tentando decorar o texto, estudando as músicas e refinando aquilo que foi ajustado no ensaio anterior com os diretores. Vocalmente falando foi um desafio, porque a peça tem muitas notas agudas longas. Me preparei para algumas músicas cantando ao mesmo tempo em que corria pelo bairro do Ipiranga, onde eu moro. E eu fazia isso para criar resistência muscular e me ajudar, porque no palco cantamos e fazemos coreografias.

    As pessoas conhecem o príncipe Eric dos desenhos da Disney como um homem branco de olhos claros. Como foi para você, um ator negro, interpretá-lo no musical? Estamos quebrando um estigma muito importante. Costumo dizer que eu nem sabia que podia fazer esse personagem. No ano em que A Pequena Sereia chegou ao Brasil, em 2018, pensei em fazer audição, mas nunca para o príncipe Eric. Quando fui convidado para este papel na montagem atual foi um despertar muito sério, porque já estava envolvido com espetáculos com elenco totalmente negro e é exatamente nesses núcleos que comecei a entender mais a importância da representatividade — e mesmo assim não havia percebido que podia interpretar o Eric. Essa é a grande importância da representatividade mesmo. Temos de esmiuçar essa palavra e fazer essas pessoas, adultos e crianças, se verem no palco no papel de protagonistas.

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    Quando a Halley Balley, uma atriz negra, foi escalada para viver Ariel no live action da Disney, recebeu muitos ataques racistas. Algo parecido chegou a acontecer com você? Sim. Recebi muitas mensagens, inclusive de pessoas pedindo para que eu renunciasse ao papel. Um dos comentários de que mais me lembro foi de uma pessoa que disse entender a escolha de um príncipe preto, mas que apesar de 50% da população ser preta, ou outros 50% são brancos que não querem perder sua representatividade. Foi então que percebi que como existem pessoas que realmente não entenderam nada da discussão. Preferi manter distância deste tipo de comentário que me fere e que, de certa maneira, eu sei que me atrapalha no que é mais importante para mim: contar esta história e realizá-la com a melhor qualidade possível.

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    Você acha que seu trabalho inspira jovens atores negros a ocuparem papéis de destaque em grandes musicais? Torço para que sim e também torço para o sucessos destes jovens artistas e que nos encontremos no universo dos musicais. Isso porque, em função de várias questões, é um meio relativamente elitista. É uma profissão que exige muito. Você tem que ser o cara que estuda balé, teatro e canto — e dependendo da sua origem, você não tem como. Costumo falar que virei artista porque a arte me abraçou, porque não há incentivo. E não é porque sua família não quer que você realize seu sonho. É exatamente porque ela quer o seu bem e porque parece utópico querer ser artista sendo pobre no Brasil. Isso é muito difícil. Então servir de inspiração para que esses jovens mantenham a chama acesa independente do incentivo, independente das dificuldades, para mim, é das grandes felicidades deste personagem além da conquista profissional.

    Já tem projetos para quando A Pequena Sereia encerrar a temporada? Em breve estreio com uma participação especial no filme Esposa de Aluguel, da Netflix, dirigido pela Cris D’Amato. Também estarei em um podcast em formato novo de série musical. Ainda não posso dar muitos detalhes, mas o programa é realizado pelo Hugo Bonemer e deve ir ao ar ainda este ano. Além do filme e do podcast, pretendo lançar mais uma música autoral minha.

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