Quando a onda de manifestações do Black Lives Matter explodiu nos Estados Unidos, em maio de 2020, ficou evidente que a luta contra o racismo entrava em um novo capítulo no país. No embalo do movimento, não demorou a surgir uma canção capaz de simbolizar a indignação popular com o assassinato covarde de George Floyd por um policial. Aos 24 anos, filha de mãe filipina e pai negro, a cantora H.E.R. naturalmente se impôs como porta-voz dessa onda com a música I Can’t Breathe — frase dita por Floyd antes de morrer. A letra de seu hit do R&B fala do episódio com emoção: “Não consigo respirar / Você está tirando minha vida / Não consigo respirar / Alguém vai lutar por mim?”.
Entoada pelos manifestantes, a canção rendeu à artista o Grammy de música do ano de 2020. Nos meses seguintes, H.E.R. cravou seu nome como nova estrela do pop ao ganhar o Oscar de melhor canção original pela também politizada Fight for You, do filme Judas e o Messias Negro. A coroação definitiva — e prova de que seu sucesso não era só fogo de palha — veio algumas semanas atrás, quando se tornou, ao lado do furacão Doja Cat, a artista feminina com mais indicações ao Grammy de 2022, concorrendo em oito categorias.
Nascida em Vallejo, na Califórnia, a artista de 24 anos tenta a sorte na música desde a infância. Mas sua carreira só decolou, curiosamente, quando trocou o nome de batismo, Gabriella Wilson, pelo acrônimo H.E.R. — abreviatura para a frase Having Everything Revealed (“Tendo Tudo Revelado”, em português). Com a sigla, a moça busca enfatizar quanto seria transparente e “verdadeira”, além de expor seu desejo de separar a vida pessoal da música. O nome não deixa de ser uma forma de engajamento — atitude que H.E.R. vem abraçando com mais vigor que qualquer outra artista de sucesso hoje.
Assim, ela renova um nicho tradicional. Surgido nos anos 1940 da mistura do jazz com os corais gospels, o rhythm & blues se transformou no gênero por excelência da música de protesto negra nos anos 1970, com o antológico What’s Going On, de Marvin Gaye. H.E.R. agora adiciona a batida do hip-hop às letras politizadas. Eis uma musa que não foge da luta.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767
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