Em uma noite de verão de 1970, Bob Gruen foi até o Honka Monka Club, em Nova York, para ver um show de Ike e Tina Turner. Aos 24 anos, o aspirante a fotógrafo assistira a uma apresentação da dupla no dia anterior e, ao retornar, levou a câmera a tiracolo. Encantado com a forma eletrizante como Tina se movia no palco, usou os poucos filmes que lhe restavam para registrá-la. “Dias depois, levei as fotos a um outro show deles e mostrei para Ike. Ele me levou para o camarim de Tina, e ela gostou das imagens. Ali começou minha carreira”, conta Gruen, que virou amigo pessoal do então casal (leia entrevista abaixo). Hoje um dos fotógrafos mais respeitados do rock, o americano — que mais tarde retrataria figuras como o casal John Lennon e Yoko Ono, além de bandas como Led Zeppelin — terá seu trabalho no centro da mostra Tina Turner: uma Viagem para o Futuro, em cartaz a partir de quinta-feira, 4, no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo.
No total, a exposição reúne 120 fotos de Tina feitas por Gruen, Ebet Roberts, Ian Dickson e Lynn Goldsmith para reconstruir a vida e a carreira de uma das artistas mais importantes do pop. Com quase 200 milhões de álbuns vendidos, Tina tem uma trajetória de sucesso na música — mas marcada por dramas pessoais. Nascida Anna Mae Bullock, no Tennessee, ela começou a se apesentar atendendo por Little Ann. Logo, contudo, adotou o sobrenome de Ike Turner, com quem foi casada de 1962 a 1976. Responsável por introduzir Tina na fama por meio da dupla Ike & Tina, Ike era um homem abusivo, que deixou traumas físicos e psicológicos na cantora. Em seu livro Minha História de Amor, de 2018, ela relata que era obrigada a cantar a contragosto, sofria espancamentos frequentes e chegou a ser queimada com café fervente pelo marido.
A coragem de deixá-lo compensou: livre das garras de Ike na vida pessoal, Tina se viu emancipada também nos palcos, e virou símbolo do poder feminino em uma época na qual pouco se falava sobre o tema. Apesar de ter feito seu primeiro álbum-solo em 1974, foi em 1978, já divorciada, que ela assumiu o controle criativo de sua música, com o disco Rough. A insistência rendeu frutos: lançado em 1984, já com Tina na casa dos 40 anos, seu quinto álbum, Private Dancer, foi um grande sucesso, com mais de 11 milhões de cópias vendidas mundialmente. Seu maior hit, What’s Love Got to Do with It, liderou a principal parada americana, fazendo dela a artista feminina mais velha a atingir o topo até então.
Tina Turner: Minha história de amor
A partir daí, a importância de Tina Turner para a música é inquestionável: dona de si e com uma postura poderosa nos palcos, a cantora contagiou multidões com hits como Better Be Good to Me e We Don’t Need (Another Hero) — esta última tema de Mad Max 3 — Além da Cúpula do Trovão, filme em que atuou como vilã. Ela brilhou também no musical Tommy.
Ao longo da carreira, Tina enfrentou outros traumas. Seu filho mais velho, Craig, se suicidou em 2018, aos 59 anos. Em 2022, outro filho, Ronnie, morreu de câncer, aos 62. Em 2016, a própria cantora revelou se tratar da doença. Hoje, Tina é casada com um alemão e, aos 83, leva uma vida reclusa na Suíça. Mas, como prova a mostra, sua imagem será sempre a da dama que se superou nos palcos.
“Tina inspira poder”
Fotógrafo da artista e de outros nomes célebres do rock, Bob Gruen falou a VEJA sobre a cantora e a sobrevivência do gênero musical.
Tina é considerada uma diva da música. É um título merecido? Nunca usaria a palavra diva para ela. Divas têm egos gigantes e nunca vi isso em Tina. Ela teve uma carreira de sucesso, vivia em uma casa boa, mas nunca foi de ostentar. Tina é uma grande estrela, mas não uma diva.
O que há de especial em fotografá-la? Ela é uma pessoa que inspira poder. O rock’n’roll é sobre a liberdade de expressar sentimentos, e eu tento capturar essa liberdade. Não é só a foto de um rosto bonito, é o retrato do momento em que a plateia está gritando e esquece que tem aluguel para pagar. Tina tem esse poder. Ela faz a gente esquecer os problemas e ter um bom momento.
O senhor é famoso por fotografar astros do rock. O cenário musical já foi tão louco como se fala? Sim. Você ia até uma gravadora e eles abriam uma cerveja, ofereciam uma carreira de cocaína e então começavam a falar de negócios. Era algo bem comum. Não recomendo, mas é o que fazíamos naquele tempo. Fazia sentido na época.
Dizem que o rock morreu. Concorda com isso? Não. Vejo novas bandas de rock o tempo todo. Um dos grupos mais populares do mundo hoje é o Måneskin, e eles são uma banda de rock. Só diz que o rock’n’roll morreu quem não gosta de rock’n’roll.
E o que Tina é para o rock? Ela é a rainha do rock. Ela é quem mostra como se faz, como se cria essa energia. É por isso que ela é tão popular. Porque ela se conecta com a audiência. Cada pessoa na plateia sente que Tina está cantando para si.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2023, edição nº 2839
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