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‘Me vejo como um menino’, diz Erasmo Carlos aos quase 80 anos

Cantor completa oito décadas de vida no sábado, 5, com um documentário no Globoplay e sendo redescoberto pelos mais jovens com o álbum 'Carlos, Erasmo'

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2021, 09h10 - Publicado em 3 jun 2021, 09h02
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  • Quando o programa Jovem Guarda acabou, em 1969, Erasmo Carlos era um dos rostos mais conhecidos do Brasil, ao lado dos amigos Roberto Carlos e Wanderléa. Mas o sucesso avassalador do programa cobrou um preço. Nos dois anos seguintes, Erasmo vagou meio sem rumo pelo showbusiness até se reencontrar no rock. O divisor de águas foi o álbum Carlos, Erasmo, lançado há 50 anos, redescoberto agora pelos mais jovens e apontado como “cult”. Às vésperas de completar 80 anos (o aniversário é neste sábado, 5 de junho), o cantor relembra sua carreira nesta entrevista a VEJA.

    Preso em casa por causa da pandemia, ele vai celebrar a data com uma festa doméstica, com a esposa Fernanda, cinquenta anos mais jovem (ela tem 30 anos). Os filhos vão participar por videoconferência. Na TV, a data será lembrada com um documentário no Globoplay (ainda sem data de exibição), que mostrará o início de sua trajetória na música, com a turma da Tijuca, com Tim Maia e Jorge Ben Jor. Na conversa a seguir, Erasmo fala sobre sua saúde, do tratamento de um recém-revelado câncer no fígado ao marcapasso que tem no coração. E conta que, a despeito da idade, ainda se vê como um menino: “A parte física que não me obedece”. Confira:

    O senhor se vê como uma pessoa de 80 anos? Não. Eu me vejo como um menino. Por dentro, a minha mente é de um menino. Agora, a parte física que não me obedece. 

    Para celebrar a data, o senhor vai ganhar um documentário sobre a sua vida no Globoplay. Que segredos Eramos Carlos esconde que ninguém ainda contou? Nem eu sei, bicho. Eu vou vivendo. Eu não tenho nada escondido. Mas a minha vida também não é um balcão de ofertas. Atualmente, eu só faço música e quero mostrar para as pessoas. Eu não tenho mais nada para dizer. Hoje, são as minhas músicas que falam por mim. Eu tenho sido muito discreto com as minhas coisas. Já fui muito deslumbrado com aquele sucesso avassalador da Jovem Guarda. Aquilo foi terrível. Hoje em dia eu sou um cara super discreto. 

    Em que sentido a Jovem Guarda foi avassaladora? Eu não esperava aquilo tudo. Eu fui fazendo as minhas coisas e deu tudo tão certo. Foi uma novidade imensa para todo mundo. Descobrimos que a Jovem Guarda era uma coisa necessária para as pessoas. Eu fiquei sem entender nada. 

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    O documentário no Globoplay vai falar da turma da Tijuca, de onde vieram também Jorge Ben Jor e Tim Maia. O senhor ainda tem ligação com o bairro? Não. A casa que nos reuníamos já não existe mais. Quem é urbano não conserva muito essas coisas de bairro, não. O cara que nasce no interior, geralmente ganha estátua e ele tem a casa preservada. Guardam as coisas dele. A cidade dá nome de rua. Quem é da cidade grande não tem nada disso.

    Além dos seus 80 anos, 2021 também marca os 50 anos do álbum Carlos, Erasmo. O disco é apontado como um dos seus melhores trabalhos. Ele foi um divisor de águas em sua carreira? As pessoas consideram esse disco como meu melhor trabalho, mas eu gosto mesmo é do anterior: Erasmo Carlos e os Tremendões. O Carlos, Erasmo é o que eu chamo do meu primeiro disco adulto. Mas foi no Tremendões que eu comecei a liberar a minha mente, com gravações como Coqueiro Verde, Saudosismo e Teletema. Foi ali que eu comecei a botar as asinhas de fora. Ele foi o meu vestibular para a fase adulta. 

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    O Carlos, Erasmo é um disco cultuado, jovens de 20 e poucos anos estão descobrindo-o agora. Como vê esse interesse  mesmo depois de 50 anos? Ele é cultuado mesmo. Foi relançado na Inglaterra e na Europa recentemente. Eu acho que as músicas dele ainda são muito atuais. A qualidade delas também é muito boa. Todas as músicas da Jovem Guarda são muito fortes. Elas vão viver muitos anos de lembrança das pessoas. 

    O álbum conta com a música Maria Joana, que na época causou problemas com a ditadura militar porque falava de maconha. Hoje, a descriminalização da erva já é uma realidade em vários países. Como vê a mudança de pensamento das pessoas com relação à maconha? Eu escrevo crônicas da vida. Muitas coisas no mundo ainda precisam mudar. Inclusive, coisas mais importantes do que a descriminalização da maconha. Acho que estamos involuindo. O mundo todo involuiu. Não era esse o mundo que eu imaginava nos anos 1970. Eu imaginava que as coisas seriam mais esclarecidas, mais modernas, mais fáceis. Eu imaginava a ciência do bem prevalecendo sobre a ciência do mal. Estou decepcionado com o mundo, inclusive com as pessoas. 

    Na década de 1970, o mundo ainda era bastante machista. A sua fama de mau ficou para trás? Há muito tempo. As épocas vão mudando e você também muda para melhor. A tendência é sempre evolução. Mas eu acho que o mundo evoluiu pouco nessa questão. A consciência era para ser ainda maior entre os homens. Problemas de preconceito e de intolerância – e falo de todas elas: religiosa, de sexo, etc. – ainda existem. É uma coisa muito triste porque atravanca o mundo. É uma âncora no progresso e na liberdade das pessoas. 

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    Como está a saúde aos 80 anos? Eu descobri um tumor no fígado alguns anos atrás e não contei para ninguém. Descobri em um estágio inicial e fiz um tratamento novo que não é simplesmente cortar a barriga e tirar o tumor. Se chama ablação.  O médico usa uma agulha elétrica e queima o tumor sem fazer nenhum corte. Eu fiz duas sessões. Vou receber o resultado final nos próximos dias, mas são bastante promissores. Eu tenho um marcapasso no coração também. Eu pensava que, quando eu colocasse marcapasso, iria influenciar na hora de tocar guitarra, mas não muda nada. A única coisa chata é no detector de metais dos aeroportos que eu não posso passar por ele e preciso ser revistado por fora. 

    E como está a vida de recém-casado? Está ótima, graças a Deus. Estou em casa por causa da pandemia, vendo séries e fazendo comidinhas. Coisas assim. Não tem visto os filhos. Metade deles moram nos Estados Unidos. E a outra metade está aqui. Fazemos reuniões pelo Zoom. 

    O senhor imaginou que iria testemunhar, depois de tantos anos, uma pandemia como essa? Não. Nunca. E eu sou o cara que lê tudo de ficção científica. Vejo filme de ficção científica. Sou expert em negócio de fim de mundo e pandemia. Fui surpreendido com a realidade.  

    Seu maior parceiro musical, Roberto Carlos, é muito religioso. O senhor, nem tanto. Como lida com a fé? A minha fé eu mesmo fiz. Sou um cara do bem. Eu fui criado nos costumes católicos, mas eu não me considero, não. Para mim, Deus não tem nome. Eu não sei qual é a forma do Criador. É como eu canto na letra da música A Terceira Força: “Seja de energia pura, seja o Cristo Redentor ou seja um disco voador”. Eu não tenho Deus próprio. Eu chamo de Deus uma força maior.

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