O rapper paulistano Mano Brown, de 51 anos, é hoje um dos artistas mais ouvidos na plataforma de streaming Spotify. Ironicamente, não é pela sua música. Seu podcast Mano a Mano, uma produção original do Spotify, está no ar desde 26 de agosto, é, em números absolutos, o programa mais ouvido no Brasil na plataforma. O número exato de ouvintes, no entanto, não foi revelado pela empresa, mas ajuda na audiência o fato de que não é necessário ser assinante do Spotify para escutar na íntegra os episódios. O feito se torna ainda mais notável por se tratar de um dos artistas nacionais mais avessos à mídia de massa. O cantor raramente concede entrevistas a jornais, TVs ou rádios. Seu grupo, o Racionais MCs, também evita programas de TV ou shows em grandes festivais.
Mas, do outro lado do balcão, agora como entrevistador, o rapper se mostrou um personagem dinâmico (e até divertido), diluindo a imagem que cultivou por anos de ser um cara carrancudo e mal-humorado. A mais recente entrevista, com o vereador de direita da cidade de São Paulo Fernando Holiday (Partido Novo), é um exemplo dessa mudança de imagem do artista. Notório ativista da esquerda, Brown disse para Holiday que a ida do político ao programa estava desagradando a maioria dos amigos dele. “Apesar de discordar das coisas que você pensa, tenho que admitir que você é um símbolo também. Jovem negro que pensa diferente do que eu acharia certo”, diz o rapper. Holiday, por sua vez, em diversos momentos concordou com Brown e, num exercício de diálogo pouco visto na política recente brasileira, fez um mea-culpa. “Eu ajudei a reduzir a qualidade do debate público. Percebi isso depois da eleição de Bolsonaro. Reduzia os debates a memes”, diz Holiday.
Os temas em debate quase sempre giram em torno de assuntos caros ao cantor, como racismo, inclusão social, pobreza, política e, claro, futebol. Mano mescla suas perguntas com experiências pessoais que teve como garoto pobre da periferia de São Paulo, dando mais dinamismo ao programa. O próximo entrevistado, que vai ao ar nesta quinta-feira, 7, será o técnico de futebol Vanderlei Luxemburgo. Ele relembra da conquista do campeonato brasileiro do Santos, em 2002 (já que Brown é santista), mas também fala sobre a falta de reconhecimento aos grandes ídolos do esporte e do racismo no futebol.
Exceto pela entrevista com o ex-presidente Lula, que durou duas horas e soou como um bate-papo entre comadres (exceto por uma leve alfinetada que ele dá no político ao dizer que o PT precisa fazer uma autocrítica de suas ações), as outras entrevistas de Brown apresentaram pontos de vistas interessantes tanto do artista quanto de seus convidados. Uma das mais reveladoras foi com o médico Drauzio Varella, que falou sobre os problemas na prisão, mas também relembrou da infância pobre no bairro do Brás e da atuação dos dois nas cadeias de São Paulo; Drauzio como médico e Mano Brown como artista. Brown ainda conversou com a rapper Karol Conká, o pastor Henrique Vieira e, como santista fanático, com os ex-jogadores do Peixe: Gilberto Sorriso, Juary e Pitta. Com o podcast, Mano Brown, mesmo com suas posições políticas bastante delimitadas à esquerda, está se mostrando uma bem-vinda voz no debate público.