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Literatura sul-coreana encontra prestígio e popularidade no Ocidente

Uma notável leva de escritoras do país vem chamando atenção no mundo, com romances que discorrem sobre sentimentos universais

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h12 - Publicado em 13 ago 2021, 06h00
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  • A escritora sul-coreana Han Kang tinha 9 anos quando saiu com sua família da cidade de Gwangju rumo à capital Seul. Quatro meses após a mudança, em maio de 1980, Gwangju foi palco de um massacre que manchou a história da nação. Manifestantes contra o regime ditatorial que governava o país, especialmente estudantes, foram duramente reprimidos pelos militares ao longo de uma semana: mais de 2 000 pessoas morreram. Han, então, era muito nova para entender o que tinha acontecido. Aos 12, fuçando escondida as coisas do pai, encontrou um livro com fotos do episódio. A imagem de uma mulher com o rosto desfigurado pela violência a chocou tanto que, segundo Han, mudou sua vida para sempre. “Algo dentro de mim se quebrou. Fiquei com medo do ser humano, e me toquei que eu era um”, disse ela. Han também deparou com fotos de pessoas ajudando os feridos. Instaurou-se a dúvida: seria a humanidade boa ou má? A pergunta, bússola de sua escrita, é explorada em detalhes em Atos Humanos, livro da autora lançado recentemente no Brasil pela editora Todavia. Nele, Han observa o massacre de Gwangju através dos olhos das vítimas, estejam elas vivas ou mortas. São pais que perderam filhos, sobreviventes que se sentem culpados e até a alma de um jovem morto que continua presa ao próprio corpo jogado numa vala coletiva.

    Livro – Atos Humanos

    A escritora, hoje com 50 anos, ganhou visibilidade por aqui em 2018 com A Vegetariana. O romance sobre uma jovem em colapso mental, que almeja se tornar uma planta — deixando, então, a carcaça de ser humano que tanto a incomoda —, foi lançado na Coreia do Sul em 2007 e adaptado para o cinema de lá dois anos depois. Quase uma década mais tarde, em 2016, a obra, traduzida para o inglês, ganhou o prestigioso prêmio Man Booker Prize, no Reino Unido. Han foi chamada pela crítica inglesa de “pérola secreta” do Extremo Oriente. A descoberta tardia da autora pelos ocidentais veio na esteira da boa fase do soft power sul-coreano. A popularidade dos famigerados astros do K-pop e do premiado cinema que deu ao mundo o irretocável Parasita ajudou a jogar luz sobre a literatura produzida no país. Transitando entre fatos históricos, relações familiares e pirações fantásticas, esses livros se apresentam como janelas para as idiossincrasias da península, mas prendem ao discorrer sobre sentimentos universais.

    VEIA POP - Min Jin Lee (à esq.) e You-jeong Jeong (à dir.), a “Stephen King coreana”: autoras têm espaço garantido nas listas de mais vendidos dos Estados Unidos e adaptações para o streaming no forno -
    VEIA POP - Min Jin Lee (à esq.) e You-jeong Jeong (à dir.), a “Stephen King coreana”: autoras têm espaço garantido nas listas de mais vendidos dos Estados Unidos e adaptações para o streaming no forno – (Anke Waelischmiller/dpa/AFP; Alamy/Fotoarena/.)

    Em comum com os cineastas sul-coreanos, as obras ainda demonstram uma total falta de apego a rótulos e gêneros. Han vai do drama ao terror e do erotismo à fantasia em um mesmo livro. Seus narradores se alternam em capítulos poéticos e sucintos — em A Vegetariana, a protagonista nunca assume o posto de narradora: sua vida é observada e ditada pelas pessoas ao redor, do marido ao cunhado. A mesma criatividade aparece na obra de You-jeong Jeong, 54, outra autora que caiu recentemente nas graças dos leitores brasileiros, apelidada de “Stephen King coreana”. Com uma escrita crua e viciante, ela não se importa com a clichê descoberta sobre quem cometeu o crime, mas sim por quais razões o fez. Caso de O Bom Filho (Todavia), thriller sobre um jovem que tenta lembrar se ele é o assassino da própria mãe. Antes mesmo do sucesso fora, You-jeong já era um fenômeno em seu país.

    Livro – A vegetariana
    Livro – Pachinko

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    Outra best-seller, Min Jin Lee, 52, imigrante nos Estados Unidos, adiciona à fórmula das conterrâneas as experiências do deslocamento daqueles que se mudam de país. No belíssimo romance Pachinko (Intrínseca), lançado no ano passado no Brasil, ela atravessa quatro gerações de uma família em conturbados cenários históricos, da relação nada amigável entre Coreia e Japão passando pelas feridas da II Guerra e pelos eventos que provocaram a divisão da Coreia em Norte e Sul. Elogiada pelo ex-presidente americano Barack Obama, Min Jin tem só dois livros lançados e não demorou a ser disputada pelas plataformas de streaming. A Apple TV+ prometeu para este ano uma série adaptada de Pachinko, e a Netflix adquiriu os direitos de Free Food for Millionaires (sem tradução no Brasil), no qual uma coreana tenta se encaixar na elite nova-iorquina. Não é coincidência que três expoentes dessa onda sejam mulheres. A queda da ditadura nos anos 80 abriu caminho para um forte movimento feminista, refletindo no mercado de trabalho: atualmente, escritoras são maioria nas livrarias do país. São elas que abrem hoje uma bem-vinda janela para a literatura do Oriente.

    Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751

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