O grupo britânico The Who inaugurou nos anos 60 a onda de destruição de instrumentos no palco, com o momento do “sacrifício” da guitarra de Pete Townshend. Para não ficar atrás, o baterista Keith Moon passou também a despedaçar seu kit ao final de cada espetáculo. Para além da pancadaria, havia uma química musical furiosa entre os dois. Mestres dos acordes poderosos, Townshend era literalmente empurrado pela locomotiva rítmica de Moon, cabendo ao baixista John Entwistle, conhecido como “dedos de trovão”, preencher os espaços com rajadas de som à altura da dupla. À frente dos três solistas ensandecidos tocando ao mesmo tempo havia ainda o frontman Roger Daltrey girando o microfone pelo fio e encarnando o personagem Tommy, o garoto cego, surdo e mudo protagonista da ópera-rock homônima (aliás, a criação desse gênero foi outra invenção da banda).
Ao lado dos Stones, o The Who é o único remanescente da chamada invasão britânica aos Estados Unidos da década de 60, mas somente Townshend e Daltrey carregam hoje a chama (com 76 anos e 77, respectivamente). Entwistle sofreu um infarto fatal em 2002 e Moon morreu em 1978. Agora, é por meio de um mergulho na personalidade destrutiva e rebelde do baterista que o legado do grupo vem novamente à tona, na forma da biografia Keith Moon — A Vida e a Morte de uma Lenda do Rock, escrita pelo jornalista britânico Tony Fletcher e que acaba de chegar ao Brasil, com um atraso de mais de duas décadas desde seu lançamento, em 1998 — e uma revisão ampliada em 2005.
Curiosamente, o livro com acabamento de luxo segue dois outros lançamentos literários da banda no país neste ano: A Era da Ansiedade, uma aventura de Pete Townshend pela ficção, e a autobiografia Valeu, Professor Kibblewhite, do vocalista Roger Daltrey. O revival do interesse pelo grupo em plena era digital não ocorre por caso. “O streaming mudou o consumo no mercado musical. Se antigamente ouvíamos só o que era lançado na nossa época, hoje um adolescente escuta The Who e Billie Eilish na mesma playlist”, disse Fletcher a VEJA.
CD Duplo The Who – Live At The Fillmore
Os fãs de Billie Eilish, porém, podem ficar boquiabertos diante da vida louca de Keith Moon. Nascido no pós-guerra, em 1946, e filho de uma família suburbana de Londres, Moon não queria ser igual ao pai, um operário, e encontrou no rock and roll a válvula de escape para gritar suas frustrações. O jeitão debochado e autodestrutivo atraiu uma série de mitos ao seu redor. “Ele acumulou várias vidas em uma só. Talvez a maior lenda sobre Moon envolva seu aniversário de 21 anos, quando ele teria jogado um carro dentro de uma piscina. É mentira. E eu não fiquei feliz em arruinar essa história”, afirma Fletcher.
Este é o grande mérito da obra: encontrar a versão mais próxima da verdade dos obscuros fatos da vida do roqueiro. Entre eles o mais traumático de todos: a morte do motorista Neil Boland. Moon se culpava de ter atropelado o motorista após tentar fugir de uma confusão em um pub em Londres, em 1970. Fletcher, porém, afirma que Moon não dirigia o carro e desmente a narrativa de que a briga foi motivada por uma gangue de skinheads. O fato é que o baterista assumiu a responsabilidade pessoal, legal e emocional pela morte, o que o afetou profundamente. “Foi um ponto de virada na vida dele”, diz o autor.
Keith Moon: A vida e a morte de uma lenda do rock
Os dias que antecederam a morte do superbaterista, em 7 de setembro de 1978, vítima de uma overdose de remédios usados para controlar o alcoolismo, também foram meticulosamente investigados. Na ocasião, Moon tentava se livrar do vício e evitava eventos que pudessem servir de gatilho para a bebida. Justamente por isso Fletcher diz não acreditar na hipótese de suicídio. “Não acho que ele queria se matar, mas acredito que uma morte como essa era inevitável”, disse o autor. “Foi uma vida muito louca e muito rápida.” A pancadaria do The Who, com a ruidosa participação de Moon, porém, continua mais viva do que nunca.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2021, edição nº 2764
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