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‘Leitores julgarão’, diz filho de Gabo sobre nova obra renegada pelo pai

Um dos herdeiros de autor colombiano, Gonzalo García Barcha falou a VEJA sobre polêmico lançamento póstumo da novela 'Em Agosto nos Vemos'

Por Diego Braga Norte
Atualizado em 8 Maio 2024, 12h16 - Publicado em 20 mar 2024, 14h01
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  • Há duas semanas, foi lançado mundialmente — em 41 idiomas e 70 países — um livro inédito do colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014). Em Agosto nos Vemos, uma novela breve, chegou às livrarias cercado de expectativas por se tratar de uma nova obra de um dos maiores escritores latino-americanos, mestre do chamado realismo mágico. O lançamento, porém, também veio cercado de polêmicas. Antes de morrer, o prêmio Nobel colombiano tinha dito que o livro “não presta” e pediu para que o destruíssem. Em entrevista a VEJA, Gonzalo García Barcha, filho do autor, conta como e por que ele e seu irmão Rodrigo decidiram publicar o texto, contrariando o desejo de seu pai. “Veremos o que os leitores de Gabo vão dizer sobre o novo livro. O julgamento final é sempre deles”, disse.

    Gonzalo, que só refere ao pai como Gabo, também explica a opção dos herdeiros em consignar todo o acervo de García Márquez em uma universidade americana, algo que motivou críticas por deixar o legado do escritor distante de sua terra natal e cenário de toda sua obra, a Colômbia. Leia abaixo trechos da conversa:

    Seu pai não aprovou o livro e pediu para que o destruíssem. Por que isso não foi feito? É verdade que ele nos pediu para destruí-lo, mas meu irmão e eu não estamos no negócio de destruir livros, pelo contrário, estamos no negócio de fazer produtos culturais. Meu irmão é cineasta e eu sou editor. Então, não o destruímos como ele pediu. Este livro e todos os seus papéis e documentos foram enviados para o Harry Ransom Center, na Universidade do Texas, em Austin.

    Por que vocês escolheram um local nos Estados Unidos para guardar o acervo de seu pai? Foi uma decisão muito difícil tomada em conjunto com minha mãe Mercedes e meu irmão Rodrigo. Visitamos vários locais na América Latina e nos Estados Unidos. Optamos pela Universidade de Austin porque eles garantiram — e estão cumprindo — que o arquivo permaneceria vivo e com acesso gratuito. No momento em que os papéis chegaram lá, foram restaurados, digitalizados e disponibilizados no local e na internet. Estamos felizes com a decisão porque as pessoas podem ler tudo, ver fotos da vida pública e privada de Gabo, e podem estudar sua obra. Além disso, eles organizaram uma grande exposição sobre a vida e obra do Gabo. Essa mostra já viajou aqui para o México e há planos de levá-la para outros lugares.

    E a decisão de publicar o livro Em Agosto nos Vemos, como foi tomada? Ao longo de dez anos muitas pessoas que foram ao acervo no Harry Ransom Center tiveram a oportunidade de ler o livro. O público estava disposto a lê-lo e isso nos permitiu ter uma perspectiva. E também começaram a aparecer algumas resenhas e críticas na internet. Percebemos que o livro não só estava sendo lido, como estava ficando famoso. E tem outro aspecto importante que é o dos direitos autorais. Enquanto um livro não tem registro público internacional, o ISBN, está mais exposto à possibilidade de vir à luz não oficialmente. Por esses motivos, decidimos publicá-lo.

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    Houve alguma modificação no material original? A edição alterou muito a versão final do livro? Dava para perceber que Gabo estava lutando muito para terminar o livro. Chamamos o editor espanhol Cristóbal Pera, que trabalhou com o Gabo nos seus últimos livros e o conhecia muito bem. Juntos, percebemos que a opinião que Gabo havia expressado nos pareceu um pouco abrupta. Ele era muito perfeccionista, mas o livro tinha qualidades. No posfácio escrito por Pera, ele explica que as revisões e alterações foram mínimas, somente as necessárias. O importante é que percebemos que o livro realmente não precisava de muito trabalho. Talvez as faculdades mentais de Gabo o tenham impedido de reconhecer as virtudes que o livro tinha.

    Há o caso famoso do checo Franz Kafka que pediu para seu amigo Max Brod destruir seus originais. Brod não obedeceu e a humanidade ganhou obras memoráveis. Você se sente um pouco como Brod? Confesso que essa foi a primeira coisa que eu pensei quando decidimos publicar o livro. É um precedente valoroso, sem dúvida. Digamos que ele fazia parte daquelas pessoas que entendiam muito bem que possuíam em mãos algo que valia a pena tornar público. Graças a Max Brod, temos importantes obras do Kafka. Veremos o que os leitores de Gabo vão dizer sobre o novo livro. O julgamento final é sempre deles.

    Há mais algum material publicável? Os leitores ainda lerão outros livros inéditos de Gabriel García Márquez? Não. Para nós, para a minha família, essa novela é o fechamento de um ciclo. Não tem mais nada no horizonte para publicar. O ciclo completo de livros que Gabo escreveu começa com A Revoada (1955) e termina com esse, Em Agosto nos Vemos.

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