João Gilberto vive ‘absoluta penúria financeira’, diz filha Bebel
Os filhos acreditam que ele tenha sido manipulado pela mãe de sua caçula para assumir compromissos que não poderia honrar
O cantor João Gilberto vive em “absoluta penúria financeira”, corre risco de despejo e apresenta quadro de confusão mental há alguns anos, segundo a filha Bebel Gilberto, que conseguiu na Justiça sua interdição e se tornou sua curadora. Declarado incapaz, ele não poderá mais assinar contratos nem movimentar sua conta bancária sozinho, por exemplo.
A iniciativa de Bebel, que mora em Nova York e veio ao Rio prestar assistência ao pai, foi para resguardá-lo financeiramente, segundo nota enviada à imprensa pela advogada Simone Kamenetz. A interdição e a curatela, relativamente comuns em casos de idosos com saúde precária ou dificuldades mentais, foram concedidas depois que Bebel comprovou ao juízo que João não compreende as consequências de seus chamados “atos civis” e das decisões que toma em sua vida.
Os filhos acreditam que ele tenha sido manipulado para assumir compromissos que não poderia honrar. Na nota que divulgou, a advogada de Bebel não nomeia quem seriam, mas as discordâncias da família com a empresária Claudia Faissol, mãe de Luiza, caçula de João de 11 anos, são notórias. Claudia desligou o telefone e não respondeu às solicitações de entrevista.
“João já vem apresentando, há alguns anos, um quadro confusional, que não lhe permite compreender com clareza e exatidão os atos jurídicos que lhe são solicitados por terceiros, resultando numa situação atual de absoluta penúria financeira, apesar de ser titular de direitos autorais que deveriam lhe garantir mais que sua subsistência por toda a sua vida”, informa a nota de Simone Kamenetz.
O cantor responde a processos por não comparecer a compromissos profissionais “contratados por terceiros em seu nome, o que acarretou em condenações indenizatórias em valores superiores à sua baixa renda”, ainda de acordo com a nota. Entre eles, estaria a turnê de 2011, ano em que João se tornou octogenário.
O projeto era ousado. Incluía interpretações de canções que João nunca havia tocado e cantado, e a transmissão do espetáculo ao vivo, via satélite — um roteiro difícil de imaginar em se tratando de João e sua obsessão pela perfeição. O cancelamento foi atribuído pelos produtores a duas hérnias que ele tinha na coluna, que doíam quando fazia shows, por causa da posição do instrumento junto ao corpo.
Hoje, João não está doente, mas fragilizado pela idade. Sebastião Alves, gerente de seu restaurante predileto, o velho Degrau, a menos de 200 metros de seu prédio, falou com ele ao telefone na semana passada. “Ele estava bem, fez seu pedido e conversou comigo. Mas a idade chega para todo mundo, né?”, disse Alves, que o atende desde 1976, sempre pelo telefone. Só esteve com ele pessoalmente uma vez. Nunca foi a um show. “Sou evangélico e só saio de casa para o trabalho e a igreja. Mas ele é um cliente preferencial. No sistema, não coloco seu nome e o telefone, só ‘JG'”, contou, sabedor de sua opção pela reclusão.
No prédio em que João mora, na Rua Carlos Góis, a uma quadra e meia da praia, não há quem o tenha visto no elevador. “Você está aqui procurando o João Gilberto? Desiste! Nunca ouvi nem um violãozinho e moro há 30 anos no prédio”, avisa logo uma moradora que passeia com seu cachorro, ao avistar a reportagem. “João Gilberto aqui só no CD”, brinca uma senhora que sai para caminhar à beira-mar.
No apart-hotel da Rua Almirante Guilhelm, perto dali, em que morou no passado, a resposta é a mesma. Quando se pergunta por João Gilberto… “O João Gilberto da bossa nova? Saiu daqui tem tempo, e mesmo quando estava não dava as caras”, atestou um dos porteiros.
Mãe de Bebel, a cantora Miúcha, que se casou com João nos anos 1960 e é a única pessoa ligada a ele a dar entrevistas — embora prefira ser sucinta, em respeito à personalidade dele –, disse que não sabia da interdição até ver a notícia na imprensa. “Bebel está tentando ajudar João. Ele se meteu em muita confusão, negócios errados, mas não sei detalhes sobre isso. Ela está tentando arrumar a vida dele”, resumiu Miúcha. “Espero que fique tudo bem com ele.”
A voz e o violão do Brasil não são ouvidos ao vivo desde os shows por ocasião dos 50 anos da bossa nova, em 2008. Há dois anos, fotos de um João mais magro e de pijama, ao lado de Bebel e de Miúcha, foram compartilhadas pela filha no Facebook.
O silêncio em torno de João parece um pacto. Amigos mais próximos, antigos confessionários das madrugadas telefônicas com João, apenas lamentam. “Eu não gostaria de falar nada nesse momento, acho isso tudo muito triste”, lamentou o compositor Jards Macalé.