Um maluco por efemérides pode se perguntar por que agora. Little Girl Blue, o documentário de Amy Berg (Livrai-nos do Mal) que repassa a vida de Janis Joplin, chega ao Brasil a poucos meses do aniversário de 46 anos da morte da cantora, em outubro. Mesmo no exterior, onde foi lançado no final de 2015, o longa não teve um grande gancho — não se tratava, por exemplo, do aniversário de 50 anos da morte, um número mais redondo. Mas a questão não é nem pode ser essa. O ponto aqui é outro: por que não antes, e muito antes? Dona de um estilo único, Janis Joplin é uma das cantoras mais singulares que já eclodiram em cima de um palco, além de um símbolo maior da contracultura que chacoalhou o mundo nos anos 1960 e 70 e deixou marcas profundas na cultura ocidental. O papel de Amy Berg é portanto o de, ao traçar a biografia de Janis a partir de cartas que a cantora enviava para a família, amigos e namorados, corrigir uma falha. Além de um documentário canadense de 1974 e de A Rosa (1979), um longa com Bette Midler livremente inspirado na história da texana, pouco se produziu sobre ela. E Amy Berg cumpre a missão, senão com brilhantismo, ao menos de maneira competente. O filme é linear: conta a história de Janis desde a infância e a adolescência em Port Arthur, onde sofreu por bullying e inadequação, até o sucesso aos 20 poucos anos, quando encontrou o seu lugar em meio à liberdade de San Francisco, sempre com músicas pontuando as passagens de tempo. A linearidade ajuda a explicar a fragilidade da cantora, a sua entrega no palco e a relação com as drogas, que a vitimariam de forma letal aos 27 anos. Para os brasileiros, Little Girl Blue tem um atrativo a mais: o filme dá desatque à viagem de Janis ao país, em 1970, quando ela fez topless na praia, viajou de carona e conheceu aquele que parece ter sido o amor da sua vida, o americano David Niehaus — em quem ela certamente pensava ao cantar Me and Bobby McGee, um de seus maiores hits. Só quem deve ficar desapontado com o documentário é o músico Sergei, que sustenta ter transado com Janis em sua estadia no Rio. Sergei, isso é mesmo uma pena, não está no filme.