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Félix, de ‘Amor à Vida’, e a vitória do vilão

Praticamente certa, a regeneração do antagonista da principal novela da Globo confirma não apenas a popularidade do personagem que roubou, traiu e quase matou diversas vezes na trama, mas caiu no gosto do público, mas também a dos malvados que vêm tomando a frente de folhetins, filmes e séries de TV

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 25 jan 2014, 18h26
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  • Ele roubou, traiu, mentiu, sequestrou e quase matou diversas vezes – a primeira delas, ao abandonar a própria sobrinha, que havia acabado de nascer, em uma caçamba de lixo. Sem falar nas incontáveis vezes em que blasfemou com tiradas como: “Devo ter feito pole dance na santa cruz para merecer isso”. Apesar de tudo, Félix, personagem de Mateus Solano em Amor à Vida, caiu no gosto popular e tem tudo para receber um final feliz na trama, que termina esta semana com a audiência média em torno dos 35 pontos no Ibope da Grande São Paulo, pelo menos um acima da antecessora, Salve Jorge – e isso graças a ele. É a vitória do vilão, em uma época marcada por malvados: de séries como Breaking Bad e Bates Motel a releituras de contos de fada pela ótica dos antagonistas, no cinema, a vilania está em primeiro plano.

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    Para Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP (Universidade de São Paulo) e membro da Academia Internacional de Artes e Ciências da Televisão de Nova York, além do talento de Solano, reconhecidamente o grande nome dessa produção, é Freud quem explica o sucesso de Félix. “Há uma razão de teor psicanalítico para o fascínio que o personagem exerce sobre a plateia. A sombra que todos nós possuímos estaria iluminada ou seria de certa forma resolvida pela identificação com a vilania. Não deixa de ser uma catarse.”

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    Essa identificação com a maldade também é apontada por Clarice Greco, outra doutora formada pela USP e autora do e-book Qualidade na TV: Telenovela, Crítica e Público (Atlas), que acrescenta um motivo quase literário para a “boa fase” dos vilões. Como personagens, diz, eles estão mais complexos e interessantes. “Houve um tempo em que a representação na novela era caricata: o mocinho todo bom, e o vilão completamente ruim. Hoje, os personagens exibem contornos sutis, com traços bons e ruins, próximos do ser humano real. Isso faz o público se identificar mais com os ícones da vilania, que em casos como o de Félix têm bom humor, sarcasmo e ousadia e deixam para trás os mocinhos mornos e sem sal.”

    O bom humor é, de fato, um diferencial de Félix, que dispara ao menos uma pérola a cada capítulo. O próprio “pai” do personagem e autor das tiradas, o dramaturgo Walcyr Carrasco, acredita que a característica tenha impulsionado o “hit” Félix. “O personagem tem humor, ironia e uma grande atuação do Mateus Solano”, diz Carrasco, que já manifestou orgulho por ter criado aquela que vem se consagrando como a maior “bicha má” da teledramaturgia nacional. “Bicha má”, vale lembrar, foi uma alcunha colada a Félix já no início da novela, por uma plateia que, órfã da terrível Carminha de Avenida Brasil, sentia por ele uma espécie de paixão ao primeiro capítulo.

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    Vilania em alta – O termo vilão data da Idade Média. Dizia respeito, então, àquele que era o chefe ou dono de uma vila e que, por isso, tinha poder para fazer o que bem entendesse. Com o passar do tempo, como ocorre a muitas palavras do português, o termo se concentrou em suas acepções negativas. Vilão passou a ser o malvado, o cruel.
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    Também é antigo o fascínio que o vilão, no sentido que a palavra possui hoje, exerce sobre espectadores e leitores. Para citar um personagem que todos conhecem: quando lançado, no século XIX, o romance A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, tornou célebre nas ruas do Rio de Janeiro, então capital do país, o perverso Leôncio, a despeito de todo o sucesso da protagonista, Isaura, a quem ele amava e maltratava.

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    O que diferencia o período atual dos anteriores, para Clarice Greco, é a quantidade de produções ancoradas em bad guys. Entre as séries, há várias baseadas em personagens de moral condenável ou de alma atormentada, como a recém-terminada Breaking Bad, sobre um professor de química que, ao descobrir um câncer em estágio avançado, investe no tráfico de metanfetamina para criar uma herança para a família e vai afundando mais e mais no crime. Ou como House of Cards, do Netflix, cujo político ambicioso interpretado por Kevin Spacey seduz por completo o espectador. Ou ainda como Bates Motel, série inspirada em Psicose (1960), de Alfred Hitchcock, que investiga as raízes do mal do perturbado Norman Bates.

    No cinema, chama a atenção a leva de adaptações de contos de fada feitos sob a ótica das vilãs. Em Malévola, previsto para maio nos cinemas, é a bruxa vivida por Angelina Jolie quem comanda a trama. O longa engrossa a fila iniciada por Espelho, Espelho Meu e Branca de Neve e o Caçador, ambos adaptações de Branca de Neve lançadas em 2012. No primeiro, Julia Roberts dava as cartas como a rainha má. No segundo, a maldade cabia à sul-africana Charlize Theron.

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    “O vilão não representa um indivíduo, mas um estado da sociedade. Em certos períodos, os heróis perdem força porque deixam de representar a realidade, daí a preferência pelo vilão”, diz Claudino Mayer, autor do livro Quem Matou… O Romance Policial Na Telenovela (Annablume). De opinião semelhante, Mauro Alencar compara a época atual, dessas em que os heróis perdem o moral, com os anos 1970, quando Selva de Pedra, de Janete Clair, tinha uma vilã muito forte, a Fernanda de Dina Sfat, mas o público acreditava na ética do mocinho Cristiano Vilhena (Francisco Cuoco) e sobretudo na mocinha Simone (Regina Duarte). “Os vilões têm um apelo hoje que não sonhariam em ter nos anos 1970, devido ao quadro de descrença que vivemos no Brasil e no mundo.”

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    O fim de Félix – Embora destaque características perenes de Félix e o talento de Mateus Solano como razões para a popularidade do personagem, Walcyr Carrasco deu umas “mexidinhas” na trama para garantir ao vilão a possibilidade de se regenerar. Enquanto humanizava Félix, mostrando como o desajuste da família havia produzido o desequilíbrio emocional do vilão, que passou de algoz a vítima em poucos capítulos, ele intensificou a crueldade de Aline (Vanessa Giácomo). Em poucos dias, ela cegou o marido, César (Antonio Fagundes), em quem vem dando um golpe, rejeitou diversas vezes o próprio filho e foi cúmplice do assassinato da tia, Mariah (Lúcia Veríssimo). Foi como se Carrasco indicasse ao espectador que Félix tem limites, porque nunca chegou aonde Aline chegou.

    Para pavimentar de vez o caminho da regeneração, Carrasco submeteu Félix a um calvário. O personagem foi expulso de casa pela própria “mami maravilha”, como chama a amada mãe, Pilar (Susana Vieira), e teve as portas do mercado de trabalho fechadas pelo pai, César, que, além de admitir que nunca o amou, queimou o filme do filho para uma poderosa head-hunter. Sem dinheiro no bolso, teve de se abrigar na casa da “brega” Márcia (Elizabeth Savalla), que deu a ele a estrutura familiar que jamais teve. Foi aí que Félix começou a mudar – virada que também serve à defesa dos valores tradicionais, como o afeto e a família.

    Se por vezes parecem forçadas, as soluções de Carrasco seguem a lógica do melodrama, gênero fundante da novela brasileira. “No melodrama tudo é possível, o importante é vivenciar fortes emoções”, diz Claudino Mayer. “Entre tantas reviravoltas mirabolantes, pode surgir inclusive a redenção do vilão que o público aprova”, sugere.

    Se o final do personagem será o da felicidade ao lado do “carneirinho” Niko (Thiago Fragoso), como deseja parte da audiência, Walcyr Carrasco não entrega, mas a chance é grande. Além de atender à demanda popular, essa seria mais uma forma de o autor destacar Félix dentro da galeria dos maiores vilões da TV nacional. Onde ele já está, com toda a certeza.

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