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“Essa entidade Fernanda Montenegro é uma esquizofrenia”

Comemorando 75 anos de carreira, atriz recusa o título de “gigante”, lança biografia inédita e recorda elogios célebres.

Por Maria Clara Vieira
Atualizado em 23 Maio 2018, 16h01 - Publicado em 23 Maio 2018, 12h14
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  • Aos 88 anos de idade, a atriz Fernanda Montenegro coleciona prêmios, homenagens e aplausos – alguns, vindos de figuras emblemáticas da história cultural do Brasil. Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e dom Hélder Câmara estão entre os que já renderam louvores à estrela, considerada, quase unanimemente, um dos maiores ícones vivos da dramaturgia nacional. Estes e outros registros dos 75 anos de carreira de Fernanda, nome artístico de Arlette Pinheiro Esteves Torres, estão na fotobiografia que será lançada em julho, pela Editora SESC, trabalho que a atriz acompanhou de perto. De sua casa, no Rio de Janeiro, falou a VEJA sobre seu trabalho, suas memórias e inquietações com a política e o teatro brasileiro.

    Sua vida e sua carreira são bem conhecidas. O que há de novo neste livro? Tudo o que estava nas minhas gavetas, malas, pastas e intramuros. Há cartas de Carlos Drummond de Andrade, comentários de Dom Helder Câmara, cartas do Jorge Andrade, muita coisa do Millôr Fernandes. Uma extensa documentação de prêmios, diplomas, cartazes e fotos que estavam guardadas e que o projeto me obrigou a revisitar. Recebi o convite do Danilo Miranda, diretor do Sesc São Paulo, há oito anos, e encarei como um trabalho de revirar o passado para trazer memórias no momento em que a idade vem chegando e uma geração inteira está indo embora.

    Quem faz parte desta geração? Pense bem: num bloco de dez anos, foram o Paulo Autran, o Raul Cortez, Sérgio Britto, Ítalo Rossi… E Fernando Torres. A morte do Paulo Autran foi muito significativa para mim. Encarei como o início do fim de uma era, compreende? O livro traz a documentação de 75 anos de uma vida que não foi isolada.

    Alguém muito especial ficou de fora? Do pessoal lá da pré-história, dos anos 1950 e 1960, muita coisa se perdeu. Mesmo porque, como eu e o Fernando também produzíamos, o melhor material que vinha a gente dava para a publicidade. Mas do que eu mais senti falta no livro foram os registros do meu amigo e irmão Ítalo Rossi, cuja família, não sei por que, não permitiu o uso das fotos. As três ou quatro publicadas só puderam sair porque eu também estou nelas. É uma grande falha dentro do livro. O Ítalo faz parte da minha história intrínseca. E quando eu digo intrínseca, é no que essa palavra tem de mais profundo.

    A senhora sempre negou o papel de “gigante” do teatro. Por que? Esta entidade Fernanda Montenegro é uma esquizofrenia. Eu não sou isso na minha casa, não sou isso no meu convívio com as pessoas. Talvez a posição venha do volume de trabalho e dos personagens que eu fiz. Mas está nos personagens e não em mim, compreende? Ainda estou meio inteirinha, mas sei exatamente onde estão os meus limites. Sei que tive 1,66 metro e tenho 1,64. Estou diminuindo! Até onde posso me perceber, não sou uma ególatra. Como todo mundo, tenho momentos de “eu”, mas acho que não sou doente disso. Acho.

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    O convite para a senhora e sua filha, Fernanda Torres, fazerem uma campanha de Dia das Mães da loja Riachuelo não foi aceito. O motivo foi a possível candidatura do dono, Flávio Rocha, a presidente? Foi. Eu e minha filha não queremos estar a serviço de ninguém relacionado à política neste momento em que todo mundo se locupletou, com raríssimas exceções. Arruinaram o Brasil e eu não faço distinção. O problema não é ele ser dono de empresa. É ser candidato à presidência de um país por um modelo em que eu não acredito. Agradeço o convite, não estou sendo malcriada, não. Mas no meu entender, como acho que no da Fernanda, não há clareza no processo político. Fizeram de Brasília um condomínio particular e eu não quero me associar a quem quer que esteja lá.

    O teatro vai mal no Brasil? Me preocupa que o país não tenha uma cultura teatral respeitada. Minha geração fez uma dramaturgia extraordinária, de diversos gêneros, com investimentos maiores ou menores, mas sempre de vida ou morte. Isso está acabando. Nosso teatro alternativo está nas catacumbas. Fica um mês, dois meses em cartaz. Como se precisássemos implorar por espaço. É claro que tem gente fazendo coisas muito boas. Mas ficam quase na clandestinidade. Estou falando do teatro batalhado, lutado. As peças importadas da Broadway também são um campo de trabalho e de emprego. Mas os musicais viraram os blockbusters do teatro, geralmente patrocinados por verbas de publicidade das estatais.

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