Ao redor de uma casa afastada da cidade, árvores sem folhas e o céu nublado denunciam o frio pungente — e o cenário se completa com um homem de casaco grosso de inverno e touca de lã. A calmaria e o isolamento são inquietantes: longe de tudo e de todos, a solidão não costuma ser uma dádiva nas melhores tramas de suspense — especialmente nos livros do canadense Iain Reid. Mas esse é o habitat natural do autor: sob um frio de 3 graus em Kingston, no interior de Ontário, ele falou a VEJA via Zoom da varanda de sua casa. “É o último sopro do inverno antes da primavera, espero”, diz, sobre o clima gélido. A vista da residência do escritor de 42 anos descrita acima poderia facilmente ser o pano de fundo de uma de suas três novelas. Trata-se de uma obra ainda modesta, mas já aclamada — e que caiu nas graças do cinema.
O best-seller Estou Pensando em Acabar com Tudo, de 2016, adaptado para a Netflix pelo cineasta Charlie Kaufman (de filmes independentes como Quero Ser John Malkovich), é um exemplo da escrita engenhosa de Reid: ao seguir a viagem de um casal até a fazenda onde os pais do rapaz moram, o autor tece um drama com reflexões filosóficas, em um texto sucinto e envolvente. Habilidoso, ele coloca o leitor na mente da protagonista, passando por suas dúvidas e paranoias, enquanto transita por situações de pesadelo — ou que poderiam compor uma sessão macabra de psicanálise. “Para mim, o suspense é inerente a questões existenciais”, diz Reid, que estudou filosofia na faculdade e quase seguiu a carreira acadêmica antes de se estabelecer como escritor.
A fórmula se repete em Nós Nos Espalhamos, terceiro livro do autor, que acaba de ganhar edição no Brasil — e também está encaminhado para virar filme. Na trama, Penny é uma nonagenária obrigada a se mudar para um lar de idosos. A dona da instituição garante que o companheiro de vida de Penny, um artista renomado, teria arranjado tudo antes de morrer para que a mulher tivesse uma velhice tranquila. Ela, porém, não se lembra desse acordo e estranha a nova casa: uma residência no meio do nada, onde vivem apenas três outros idosos e um jovem cuidador. A aparente obsessão da dona da casa pelos quadros deixados pelo artista é desconcertante. Será que ela quer dar um golpe em uma idosa desprotegida? A dúvida conduz o livro pelo ponto de vista de Penny e de sua memória falha, deixando lacunas que causam no leitor a mesma aflição sentida pela protagonista.
Eu estou pensando em acabar com tudo
Reid se inspirou em uma história pessoal: sua avó foi morar em um lar de idosos aos 100 anos de idade, acometida pela demência. Para ele, escrever o livro foi uma forma de assimilar as intempéries da velhice, assim como descobrir suas possibilidades: no asilo, Penny cria novos laços, principalmente com outro idoso, e luta pelo direito de envelhecer em paz. “O mundo nos diz que ser idoso é ruim, mas é possível florescer e desenvolver relações significativas em qualquer idade”, afirma o autor.
Além da solidão, a escrita do canadense contempla o outro lado da moeda: as conexões entre parceiros amorosos — nem sempre sem ruídos. “Não há nada mais importante no mundo do que as pessoas e os laços entre elas, mas não só em um casamento”, diz o autor solteirão. Em seu segundo livro, Intruso, uma crise matrimonial se desenrola em chave de ficção científica: um jovem casal numa fazenda recebe a visita inesperada de um agente misterioso do governo. Ele representa um projeto de colonização espacial que vai levar humanos para viver por um tempo em uma base espacial, e o protagonista foi escolhido para a viagem. Sua esposa, porém, não ficará sozinha: um substituto será colocado em seu lugar. A trama para lá de peculiar já foi vertida em um filme com Paul Mescal e Saoirse Ronan no elenco — que está previsto para estrear ainda neste ano. “Minha vida é bem pacata, acho que escrevo para injetar um pouco de ação nela”, afirma Reid. Os mistérios da mente, prova ele, são um belo antídoto para o tédio.
Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837
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