Na distante Hong Kong dos anos 70, Bruce Lee e Jackie Chan desferiam golpes mirabolantes em filmes que se tornariam fenômenos mundiais. Na década seguinte, aquelas produções feitas com adrenalina e baixo orçamento impactaram de forma incontornável a vida de um garoto cearense de classe média: em Fortaleza, diante da TV, Edmilson Filho decidiu que queria ser igual aos astros da pancadaria. O jeito foi negociar com os pais a matrícula numa academia de tae kwon do. “Se eu tirasse boas notas, poderia treinar”, conta ele, agora aos 44 anos. Os frutos do sonho de infância se revelaram notáveis.
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Cinco vezes faixa preta, Edmilson ostenta hoje o título de tricampeão brasileiro em tae kwon do. Mas não só: assim como seus ídolos, encontrou uma maneira de combinar os golpes com o gosto pelo cinema — adicionando à receita um peculiar sotaque nordestino. Aliado a Halder Gomes, roteirista, diretor e (vejam só) ex-dono da academia em que aprendeu a lutar, o cearense estrelou alguns dos filmes mais bem-sucedidos do cinema nacional na última década. Cine Holliúdy (2012) fala de um entusiasta de produções orientais que abre um cinema no interior do Ceará nos anos 70 e, em seguida, luta para manter o negócio ativo com a chegada da televisão ao lugarejo. A trama virou franquia, desdobrando-se na sequência Cine Holliúdy 2: a Chibata Sideral e em uma série de audiência expressiva da Globo — que grava atualmente sua segunda temporada. Em 2016, a dupla cearense arrebanhou multidões para o hilário O Shaolin do Sertão, no qual um lutador desafia os valentões da caatinga. Somados, os três filmes fizeram mais de 15 milhões de reais em bilheteria. Não fosse a pandemia, Cabras da Peste, a mais recente empreitada, poderia aumentar essa cifra. Com os cinemas fechados, porém, o filme sobre dois policiais trapalhões, Bruceuilis (vivido por Edmilson) e Trindade (Matheus Nachtergaele), foi direto para a Netflix e logo se impôs entre os mais vistos na plataforma. A produção desafiou o rótulo de comédia de nicho local ao conquistar outros países, desde Portugal até Marrocos e Luxemburgo.
A virada do esporte para o cinema se deu após Edmilson representar o Brasil em mais de vinte competições internacionais, de olho na Olimpíada de 2000. Na época, o país não classificou sua equipe masculina de tae kwon do, mas o comediante encontrou outro prêmio: em passagem pelos Estados Unidos, se apaixonou pela americana Melissa, com quem se casou e tem duas filhas. Por lá, abriu três academias de artes marciais (além de uma quarta em Londres). Em 2004, Gomes o procurou para um curta chamado Cine Holliúdy, embrião do longa-metragem. Quase dez anos depois, o filme ficou pronto, mas custaria a ver a luz do dia. “Ninguém queria distribuir. Diziam que era estranho e falado em ‘cearensês’, e que o resto do Brasil não entenderia”, diz Edmilson. Cine Holliúdy conseguiu espaço em nove salas no Ceará, com a humilde meta de vender 20 000 ingressos. “Se comprassem 100, eu já estava feliz”, brinca o ator. Por fim, foram vendidos 380 000. A boa recepção é resultado da leveza do roteiro — que, em um país polarizado, faz rir gregos e troianos. Também pesa a representação de um Nordeste colorido e feliz, sem voltar os holofotes para as mazelas da pobreza. A receita fez dele um astro na região: “Se chegarmos eu e o Leonardo DiCaprio ao Nordeste, o povo vai ignorá-lo e virá falar comigo”.
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DiCaprio, aliás, que se cuide. Vivendo na Califórnia há vinte anos, Edmilson mira a carreira internacional. Com o sucesso na Netflix, presente em 190 países, o sonho ficou mais próximo. “As pessoas me falam: você mora em Hollywood e faz filme no Ceará? E eu digo: sim, igual ao Bruce Lee, que era chinês-americano, mas foi para Hong Kong primeiro e voltou por cima. Quero entrar em Hollywood pela porta da frente.” É mesmo uma determinação de rachar a rapadura com um só golpe.
Publicado em VEJA de 7 de abril de 2021, edição nº 2732
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