Na década de 1990, aos 20 e poucos anos, o escritor inglês Matt Haig sofreu um colapso mental. Recém-formado na faculdade e buscando fugir das responsabilidades da vida adulta, ele se refugiou em Ibiza, ilha boêmia ao leste da Espanha. “Havia muito álcool, muitas drogas. Eu era um jovem confuso e acabei seriamente deprimido”, relembrou o autor, hoje aos 49 anos, em entrevista a VEJA. No pico da depressão, Haig pensou em pular de um penhasco, mas desistiu e deu entrada em uma clínica para tratar a doença. Duas décadas e muitas sessões de terapia depois, ele retornou à ilha para se reconciliar com o passado — viagem que influenciou seu novo livro, A Vida Impossível, ambientado na localidade onde sua vida quase chegou ao fim. “Quando voltei, encontrei um lugar estranhamente tranquilo. Fui até o penhasco onde por pouco não morri e me senti calmo. Então quis expressar em palavras esse sentimento.”
Haig já havia escrito sobre sua experiência com a depressão e a ansiedade no livro de memórias Razões para Continuar Vivo, best-seller de 2014 que o consagrou como um improvável guru da autoajuda no Reino Unido. “Quando comecei a falar sobre isso, me senti livre. A doença mental tende a ser invisível. Não é óbvia como uma perna quebrada, embora seja tão dolorosa quanto”, explica. Mas a fama trouxe consigo um peso enorme: “Não sou médico, então tenho de me ater à minha experiência quando escrevo. E descobri que alguns leitores ficam bravos quando sua obra não os representa do modo que gostariam.”
O jeito foi recorrer à ficção. Em A Vida Impossível, ele aborda o tema por meio de elementos fantasiosos. O livro segue uma professora aposentada que, envolta pelo luto após a morte do marido e do filho, deixa a cidadezinha onde morava na Inglaterra rumo a Ibiza com uma passagem só de ida. Lá, descobre que a ilha tem propriedades mágicas. A trama é um exemplo da chamada healing fiction, ou ficção de cura, fenômeno literário que prioriza histórias reconfortantes com mensagens motivacionais. Haig já havia passeado pelo gênero com o hit A Biblioteca da Meia-noite, que vendeu 10 milhões de cópias no mundo, 600 000 só no Brasil. Nele, uma mulher no limiar entre a vida e a morte encontra uma biblioteca mágica que lhe permite voltar no tempo e alterar decisões do passado. “Não estou sugerindo que qualquer um possa superar a depressão só olhando para sua vida de forma diferente. Tento escrever sobre um tipo de esperança honesta e realista: a de que as coisas podem mudar”, diz. Buscar a luz no fim do túnel é possível — e ajuda a vender livros.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920