Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Com morte de Jean-Luc Godard, cinema perde um mestre da provocação

Expoente máximo da nouvelle vague, o diretor franco-suíço mudou a história do cinema ao quebrar regras e celebrar a divagação intelectual

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 set 2022, 10h35 - Publicado em 16 set 2022, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • A devoção de Jean-Luc Godard ao cinema extrapolava limites — inclusive os da lei. “Cheguei a roubar para poder assistir e fazer filmes”, disse o diretor franco-suíço em 2007, já sob a segurança do prestígio e da idade avançada, perto dos 80 anos. O meliante se via como um nobre Robin Hood: o butim do dinheiro que furtava, advindo de empregadores e de sua família abastada, era compartilhado com outros cineastas iniciantes. A camaradagem e a verba curta, em um mundo de desequilíbrio moral e emocional pós-II Guerra, foram as bases que sedimentaram o movimento cinematográfico francês da nouvelle vague, a iconoclástica nova onda da qual Godard se impôs como expoente máximo nos anos 1960.

    Publicidade

    “O que é o cinema? A resposta para essa pergunta eu resumiria assim: é a expressão de sentimentos sublimes.”

    Publicidade
    Jean-Luc Godard(1930-2022)

    Morto na terça-feira 13, aos 91 anos, o diretor demarcou uma linha histórica na arte de fazer filmes: depois dele, as produções seriam divididas entre aquelas fabricadas por estúdios e o cinema de autor. Se as primeiras têm por objetivo entreter e conduzir o espectador por viagens escapistas, o segundo é um convite filosófico à autorreflexão. Da quebra da quarta parede — expediente no qual o ator olha para a câmera, ou seja, para o espectador — até finais abertos e divagações sem respostas, os filmes da nouvelle vague não eram feitos para ser palatáveis, e sim digeridos com elaboração intelectual. Godard tornou-se, assim, o mestre supremo da provocação — amado pelos que viam o cinema como uma forma de arte elevada e odiado por quem o via como o pai de todos os diretores-cabeça.

    ROMANCE - Acossado: estreia que virou um clássico instantâneo -
    ROMANCE - Acossado: estreia que virou um clássico instantâneo – (Collection ChristopheL/AFP)

    História(s) do cinema

    Publicidade

    Ao rasgar a cartilha dos padrões impostos até ali especialmente por Hollywood, a nouvelle vague recolocou a França em posição de glória na ebulição artística mundial. Já a liberdade de contar histórias sem amarras, de linhas cronológicas indefinidas a enquadramentos inovadores e ao uso de câmera na mão, se revelou um legado de alcance global. O cinema novo brasileiro bebeu da fonte francesa: Godard e Glauber Rocha (1939-1981), aliás, se admiravam mutuamente.

    Continua após a publicidade
    POÉTICO - O Demônio das Onze Horas: começo, meio e fim misturados -
    POÉTICO – O Demônio das Onze Horas: começo, meio e fim misturados – (Films Georges de Beauregard/.)

    Jean-Luc Godard: História(s) da literatura

    Publicidade

    Nascido em Paris e criado na Suíça, Godard tinha uma relação conturbada com os pais, um médico e uma filha de banqueiro. O vínculo se rompeu quando ele trocou a ilustre Sorbonne pela Cinemateca Francesa, onde conheceu seu principal parceiro criativo, François Truffaut (1932-1984), e André Bazin (1918-1958), dono da revista Cahiers du Cinéma, bíblia dos cinéfilos, na qual Godard trabalhou como crítico — e de onde roubou uns trocados. Forjado nesse meio vanguardista, Godard fez filmes sobre laços humanos que não se explicam e sobre a fragilidade do status quo. Em Acossado (1960), sua brilhante produção de estreia, um ladrão procurado pela polícia tem um romance com uma americana. Quanto mais poético e abstrato Godard ficava, mais sua popularidade crescia, como atesta O Demônio das Onze Horas (1965), que fala de um criminoso em fuga das autoridades — mas, principalmente, do tédio.

    CENSURA - Je Vous Salue, Marie: o filme que irritou José Sarney -
    CENSURA - Je Vous Salue, Marie: o filme que irritou José Sarney – (Collection ChristopheL/AFP)

    A Nouvelle Vague E Godard

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    Em 1985, o diretor mexeu num vespeiro religioso com Je Vous Salue, Marie, alegoria moderna sobre a mãe de Jesus. O filme foi censurado no Brasil pelo governo de José Sarney, a pedido de líderes católicos, e liberado só em 1988. Ao longo da vida, as críticas e os aplausos não distraíram o cineasta de escrever, produzir, atuar e dirigir sem descanso. Seus últimos trabalhos foram tão experimentais que mais pareciam colagens de cenas e frases. O jornal francês Libération noticiou que Godard morreu em um suicídio assistido — prática legalizada na Suíça, onde vivia. Como ele mesmo disse: “A história deve ter um começo, um meio e um fim, mas não necessariamente nessa ordem”.

    Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807

    Publicidade

    CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

    História(s) do cinema
    História(s) do cinema
    Jean-Luc Godard: História(s) da literatura
    Jean-Luc Godard: História(s) da literatura
    A Nouvelle Vague E Godard
    A Nouvelle Vague E Godard

    *A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.