O carnaval é território de todas as cores, o vale-tudo ecumênico em forma de arco-íris, costurado por tiaras de asas de borboleta roxas, saias de tule amarelas, maiôs com paetês vermelhos e botinhas verde-musgo. E, no entanto, mesmo nos dias de farra, convém ter um pouco mais de cuidado e sensatez — errar a tonalidade da roupa e do make-up significa, enfim, estragar o visual e ganhar ar envelhecido, nariz longo demais ou bochechas mais gordas. Não é crime de lesa-pátria, mas o zelo pela aparência é uma preocupação que, naturalmente, acompanha a história da moda e os avanços da indústria de cosméticos há décadas, e que, agora, na era das selfies, passa a ser tema de interesse de pesquisadores e personal stylists. A “análise de coloração pessoal”, eis o nome do recurso, nasceu na Europa, atravessou os Estados Unidos e desembarca com força no Brasil. Não há estatística que ajude a demonstrar o crescimento da tendência — mas ela é visível, virou assunto inescapável. Os cabeleireiros e maquiadores mais reputados se ancoram no princípio para fazer seu trabalho, um atalho para bons resultados.
As clientes que entram no badalado ateliê da consultora de estilo Monica Boaventura, no bairro cool da Vila Madalena, em São Paulo, querem saber as tonalidades exatas que mais combinam com elas. Pagam até 450 reais para se submeterem ao delicado levantamento. A especialista observa a cor natural de cada detalhe do rosto e das mãos das mulheres: cabelos, sobrancelhas, cílios, olhos, lábios e até manchas na pele. Depois, aproxima dezenas de amostras com tons diferentes e identifica quais devem ser usados em brincos, colares, maquiagem e tintura de cabelo. A pesquisa é detalhada, e após 45 minutos brota um mapa das cores. A consulta é finalizada com a entrega de uma cartela com cerca de setenta colorações.
Uma das escolas mais tradicionais na área, a Studio Immagine, também de São Paulo, já formou 4 500 consultoras em coloração. “Há uma regra geral: as cores em desarmonia chamam atenção para falhas como rugas ou tom de pele irregular, enquanto as cores em equilíbrio valorizam a beleza natural, fazendo com que a pessoa pareça saudável e com um rosto mais jovem”, diz Tathiana Santos, que dá aulas de análise de cor a classes lotadas no Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo. A bem da verdade, as quatro personagens que compõem a ilustração dessa matéria ficariam bem com qualquer cor — e soa quase ofensivo imaginar que esse ou aquele matiz lhes caísse mal, evidentemente que não. Mas também para elas vale dizer que, grosso modo, os tons dos acessórios devem seguir o perfil dos tons do rosto. Uma morena de cabelos escuros, pele clara e olhos azuis, por exemplo, tem naturalmente um visual cheio de contrastes e, portanto, deve usar cores opostas, como preto e branco. Aquelas com cabelos e pele dourados devem fazer o oposto, usando cores próximas, como laranja e marrom-claro.
Não se trata de futilidade, a beleza pela beleza — embora não haja mal nenhum no cuidado permanente com o que anda por aí, sobretudo no mundo dominado pelas redes sociais e pelas selfies. Mas, se é o caso de dar algum lustro ao método, convém lembrar que ele é filho de uma série de estudos do professor e artista plástico suíço Johannes Itten (1888-1967), da influente escola de arte alemã Bauhaus. Itten notou que seus alunos respeitavam seleções de cores similares em seus trabalhos e usou as tonalidades para compreender melhor a personalidade de cada um deles — essa linha de raciocínio, aliás, é tema de pesquisa da arquiteta Fernanda Moceri, da USP, para quem cores e personalidades são indissociáveis. “É semelhante ao que ocorre em consultórios médicos”, diz ela. “Receitas prontas não funcionam, e absolutamente todas as características da pessoa devem ser levadas em conta.” Em 1980, a estilista americana Carole Jackson, hoje com 78 anos, glamourizou a ideia, associando as cores às estações do ano. Carole interessou-se pelo sistema com base em sua experiência pessoal. Ela se sentia feia e sem vida no uniforme azul-claro do colégio da infância. Os mandamentos da estilista Carole se transformaram no best-seller Color Me Beautiful, ainda não traduzido para o português, manifesto da nova onda.
Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675