Desde o naufrágio do Titanic, na madrugada de 14 de abril de 1912, que matou 1 517 dos 2 224 passageiros a bordo, apenas 140 pessoas chegaram perto dos destroços do navio no fundo do mar, a 600 quilômetros da província de Newfoundland, no Canadá, pousado a 3 800 metros abaixo da linha do horizonte. Entre os privilegiados autorizados a visitar a lenda de ferro e aço estão o cineasta James Cameron, diretor do megassucesso de 1997. Cameron chegou a ficar mais tempo em torno da embarcação para captar os detalhes de sua arquitetura do que os próprios passageiros nos dias anteriores ao naufrágio. A novidade: pela primeira vez em mais de um século os simples mortais (mortais fartamente abonados, é claro) poderão descer nas profundezas do Atlântico ao encontro do mítico colosso.
A empresa americana OceanGate Expeditions oferece, desde a semana passada, vagas para excursões submarinas que entrarão em operação em 2021 e se estenderão até 2022. As viagens partirão de navio da cidade de Saint John, na província canadense de Newfoundland e Labrador. E como afundar com segurança? Foi desenvolvido um submersível ultramoderno, o primeiro com medidas tão diminutas a conseguir chegar a tamanha profundidade sem implodir com a pressão do mar — a capacidade é para cinco pessoas, sendo uma delas o piloto. A tecnologia envolvida é extraordinária. O revestimento externo da cápsula é um casco ultrarresistente, feito de titânio e fibra de carbono com 12,7 centímetros de espessura. O ar interno é reciclado de maneira semelhante ao das naves espaciais. Independentemente da profundidade do mergulho, a pressão dentro do meio de transporte permanecerá constante e igual à da atmosfera ao nível do mar, o que elimina a necessidade de descompressão durante a subida. Não há banheiro a bordo, nem bancos. Todos irão sentados no chão.
Não basta ter dinheiro para comprar uma passagem. O interessado deve preencher um formulário de inscrição detalhado, que inclui perguntas sobre tamanho, peso, se tem algum problema de saúde crônico ou fobias relacionadas a espaços fechados. O turista aventureiro também deverá passar por um treinamento científico para a viagem, já que terá de ajudar na colheita de dados do Titanic. Em vídeos de altíssima resolução, as imagens farão varreduras a laser e recolherão dados de sonar para criar um modelo 3D virtual do navio. O objetivo é descobrir a condição da embarcação em detalhes. O Titanic se partiu ao meio durante o naufrágio e seus pedaços estão espalhados no fundo do mar. A proa e a popa estão separadas por 600 metros em distância. Trata-se, enfim, de conhecimento associado a diversão.
Batizada de Titan, a cápsula circulará em torno do Titanic por algumas horas. Para visualizá-lo, os tripulantes disporão apenas de uma pequena janela de 53 centímetros de diâmetro na parte da frente do módulo. Ao longo do mergulho, eles poderão alternar as posições para ficar um pouco mais próximo do navio. A viagem custará 125 000 dólares (o equivalente a 657 000 reais) por passageiro. “Imagine que, em um só dia, um número maior de pessoas que já visitaram o Titanic em 100 anos consegue chegar ao cume do Everest”, diz Stockton Rush, presidente da empresa responsável pela jornada, sediada na cidade de Washington, por meio de nota oficial. A OceanGate Expeditions planejava realizar as expedições ainda em 2018, mas um raio atingiu e danificou a pequena fortaleza que levaria a tripulação. No ano passado, houve um problema com um fornecedor e a estrutura não ficou pronta a tempo da jornada. Mas, enfim, o que são dois anos em 100?
Publicado em VEJA de 9 de dezembro de 2020, edição nº 2716