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‘A cegueira nunca me parou’, diz cantora Sara Bentes, que dá voz às urnas eletrônicas

Sem visão desde o nascimento, a cantora e atriz de 42 anos conta como sua voz foi escolhida para ajudar outras pessoas com deficiências a votarem nas eleições

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 out 2024, 10h48 - Publicado em 15 out 2024, 09h56
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  • A cantora Sara Bentes
    A cantora Sara Bentes (Instagram/@sarabentesoficial/Divulgação)

    Nasci com cegueira total devido a um glaucoma, mas desde muito cedo eu já sabia que queria ser cantora e atriz. Minha mãe conta que, com 2 anos de idade, eu voltava cantando da sala de cirurgia oftalmológica, ainda do efeito da anestesia. Ao todo, foram 17 operações, todas feitas para controlar a pressão intraocular, já que minha condição é irreversível. A inclusão de pessoas com deficiência, portanto, sempre foi uma questão essencial em minha vida. Nas eleições municipais deste ano, pela primeira vez as urnas eletrônicas terão uma voz humanizada – a minha voz – para ajudar 224 805 eleitores com deficiência visual a votar, facilitando o entendimento do nome do candidato, garantindo um voto secreto e seguro para todos. 

    Alcançar essa vitória, no entanto, não foi fácil. Nasci em Volta Redonda, no interior do estado do Rio de Janeiro, em família musical. Meu pai e minha mãe, hoje aposentados, sempre me incentivaram a cantar. Há uma teoria científica que explica que, quando uma pessoa perde um dos sentidos por conta de uma incapacidade do próprio órgão, a parte do cérebro que cuidaria desse sentido não fica inativa, ela se reorganiza para cuidar de outros sentidos. Em relação à música, no entanto, não é garantido que uma pessoa cega desenvolverá uma musicalidade maior, mas, no meu caso, dois fatores se encontraram: fui estimulada desde cedo em casa e sempre tive inclinações musicais. O mesmo não aconteceu na escola. Em uma delas, eu simplesmente fui expulsa porque a diretoria não queria mais lidar com alunos com deficiência. Nos cursos de teatro que eu fazia, também fui escanteada “para não me machucar”. A cegueira nunca me parou. Comecei a cantar em corais e festas ainda na adolescência e fui aceita no coral municipal. Em 2003, venci um prêmio nos Estados Unidos que me abriu muitas portas. Desde então, viajei o mundo para participar de festivais na Itália, Argentina, Turquia, Suécia, Inglaterra e, recentemente, na Tailândia, para onde fui sozinha sem nenhum acompanhante. Em 2015, tomei outra grande decisão ao me mudar para o Rio de Janeiro, onde também moro sozinha. A tecnologia sempre foi uma grande aliada, com os celulares capazes de ler os rótulos e até me dizer se as luzes estão acesas. Mas ainda faltavam as urnas eletrônicas. 

    Em 2017, fui escolhida pelo projeto de acessibilidade chamado RH Voice, disponível gratuitamente na internet, para gravar a nova voz dos leitores de tela no Brasil, que são aqueles recursos usados por pessoas cegas para saber o que há na tela dos smartphones ou computadores. Antes, essas vozes eram ruins e soavam robóticas. Era difícil entender. O processo de gravação foi difícil porque era impossível decorar todo o texto (foram 30 horas de gravação), formado por frases curtas e aleatórias de livros e jornais. Eu precisava ouvir o texto num fone de ouvido com um pequeno delay para repeti-lo, já que, obviamente, não conseguiria lê-lo no papel. Após a gravação, as frases que gravei foram usadas para treinar uma inteligência artificial nos fonemas e timbres vocais. O TSE, então, integrou o recurso à urna eletrônica para falar em um fone de ouvido o nome, partido e número de todos os candidatos do país. Além de uma vitória para a democracia, também é uma vitória para as pessoas com deficiência visual. A voz, batizada de Letícia, que é meu segundo nome, até poderia ter sido gravada por uma dubladora que enxerga, mas ao me escolherem, demonstramos que também somos capazes. Atualmente, estou em cartaz em São Paulo, no Unibes Cultural, com o Show no Escuro, onde convido o público a vivenciar por, pelo menos uma hora, a minha realidade. É uma grande oportunidade para as pessoas desenvolverem uma percepção da música sem a visão. Não adianta esperarmos que as coisas mudem, precisamos também ser agentes dessa mudança.

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