A estilista venezuelana radicada em Nova York Carolina Herrera disse certa vez que “estilo nada tem a ver com dinheiro”. Será? A moda de passarelas produzida nos Estados Unidos mostra que a história é um pouco diferente. Enquanto a França, considerada o berço da costura, construiu sua concepção fashion por meio da alta-costura, de mãos dadas com a arte, e a Itália se pautou pelos prazeres da vida, deu-se no país de Donald Trump uma costura inigualável do novo — do moderno, por assim dizer — com um profundo conhecimento dos negócios.
Pode não soar exatamente inédito, mas agora, sim, pode-se celebrar com pompa e circunstância uma escola de estilo que rivaliza com a europeia — e cujos ecos vão muito além da badalada semana de moda nova-iorquina. Três novos livros lançados recentemente, mas ainda sem versão em português, iluminam o palco: In American Fashion, de Natalie Nudell, disseca o Fashion Calendar, publicado desde 1945, ferramenta responsável por divulgar os principais eventos da agenda chique; Empresses of Seventh Avenue, de Nancy MacDonell, destaca o trabalho pioneiro das primeiras mulheres envolvidas na atividade; e Henri Bendel and the Worlds He Fashioned, de Tim Allis, revela a aventura do criador de uma das mais longevas lojas de departamentos do país.
Há um interessante paradoxo. Embora venha de uma sociedade consumista, o estilo americano é pautado pela liberdade. Ainda que o renascimento de Trump possa significar empuxo para algum conservadorismo (o que não é certo que ocorra, porque o trumpismo não move mundos, como se apregoa), é bem possível que a mudança de humores vista as pessoas como se protestassem — até porque, ressalve-se, a turma da linha e do linho, assim como a das artes, de modo geral, esteve ao lado de Kamala Harris, a outra porção da nação partida. “Os Estados Unidos nunca abandonaram o ideário de liberdade, e essa pauta esteve sempre estampada nas roupas”, diz Brunno Almeida Maia, pesquisador de moda da USP. Dito de outro modo: o que sai dos armários funciona como discurso, em movimento mais vigoroso do que entre franceses e italianos. Some-se o impacto global de Hollywood, associado à música, e bingo: brotam estrelas influentes como Madonna, sempre ela, e Beyoncé, que mais recentemente pôs em cena o jeitão country do faroeste para o público urbano.
Por óbvio, tanto Madonna como Beyoncé vez ou outra vestem modelos de nomes franceses, mas elas têm investido em conterrâneos ou cidadãos que adotaram os Estados Unidos. A loira elegeu Michael Schmidt e Ralph Lauren. A morena vai do indiano Gaurav Gupta, que vive entre o país natal e a América do Norte. O ponto a uni-las: considerar a moda como comunicação, comportamento e cultura. Não por acaso, o Metropolitan Museum of Art foi palco da primeira grande exposição dedicada a Yves Saint Laurent, nos anos 1970. Hoje, não só abriga um enorme acervo, como realiza o baile Met, o mais barulhento tapete vermelho de gala da atualidade.
Bebe-se, portanto, de uma trajetória cuidadosamente construída, que agora atravessa o apogeu, do ponto de vista de influência. Celebra-se o passado recente como ponto de partida. É o caso de Calvin Klein, o CK, que criou sua marca, conhecida pela estética cosmopolita, no final da década de 1960. Alguns anos depois, em 1980, ele vestiu a modelo Brooke Shields em uma campanha de celebração do jeans, a ponto de, em uma única semana, mais de 400 000 peças terem sido vendidas. Filho de imigrantes judeus que moravam na região que hoje faz parte de Belarus, Ralph Lauren começou a carreira fazendo gravatas. Em 1972, registrou sua grife homônima, fazendo sucesso com ternos masculinos e femininos que viraram febre, além das camisas polo que o tornaram conhecido como “criador de sonhos”. Carolina Herrera vestiu Jacqueline Kennedy por doze anos. Tempos depois, o texano Tom Ford redefiniu a mulher moderna dos anos 2000, e salve Gwyneth Paltrow. E, assim, brincando com o imaginário e com grana no bolso, estilistas americanos inventaram um jeito de corpo. Ele é inescapável.
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919