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‘Tempo não é dinheiro’: diretor Cacau Rhoden discute a finitude em novo documentário

Em 'Quantos dias. Quantas noites', produzido pela Maria Farinha Filmes, cineasta debate o impacto das desigualdades no envelhecer

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 nov 2024, 20h06
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  • Em outubro, reportagem de VEJA falou das novas perspectivas da longevidade, mesmo tema discutido no novo documentário da Maria Farinha Filmes. Dirigida por Cacau Rhoden, a obra Quantos dias. Quantas noites reflete sobre finitude, antropoceno, as diferentes formas de envelhecer e o impacto das desigualdades nesse processo.

    Com a perspectiva de personagens de idades diferentes, o novo filme convida especialistas de diversas áreas, como o médico gerontólogo Alexandre Kalache, a filósofa Sueli Carneiro e a escritora Ana Claudia Quintana para se aprofundar no tema do envelhecimento, colocando em perspectiva, de um lado os avanços da ciência, e de outro os ideais da sociedade e as diversas frentes da emergência climática.

    Dias após o lançamento da obra, disponível no Itaú Cultural Play e no YouTube, e às vésperas de seu aniversário, que ocorreu no último dia 17 de outubro, Rhoden nos concedeu entrevista para falar sobre o processo de criação deste documentário, os desafios que surgiram ao longo da direção e sobre o impacto pessoal desse projeto. Os melhores trechos você lê abaixo:

    Qual foi o ponto de partida para a criação do filme? A ideia do filme surgiu de Marta Pipponzi, que buscou a Maria Farinha para desenvolver um projeto sobre longevidade. A pesquisa inicial foi muito intensa e resultou em um documento de cerca de 800 laudas, que abrangeu diversas áreas, desde a literatura médica até as artes. 

    E como o senhor trabalhou nessa pesquisa? Para produzir o filme, nós tivemos que fazer um recorde disso. Nós chegamos a uma “equação das longevidades” e vimos que a conta não fecha. Se continuarmos com o ritmo que nós estamos, nós não temos mais 70 anos de vida saudável no planeta. Esse ser humano que já nasceu e que pode alcançar os 150 anos vai viver aonde? Por meio disso, a gente começou a colocar alguns assuntos que poderiam atingir corações e mentes de uma maneira amplificada. 

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    Como a pandemia influenciou a produção do filme? O filme, num primeiro momento, ia abordar até outros assuntos dentro desse escopo, mas a gente ia tentar falar um pouco do mundo. A gente ia filmar no Japão e na África, por exemplo. Então, surge a pandemia na Ásia. Nós começamos a gravação, gravamos três de 48 diárias e começou o lockdown, sem a possibilidade de realização efetiva, de ir para campo e filmar. 

    E como vocês lidaram com isso?  A gente não podia viajar, precisamos redesenhar tudo com muita pressa, para focar apenas no Brasil. Nós tivemos uma equipe muito competente, sensível e engajada para resolver essa questão. 

    ESPERANÇA - Quantos dias. Quantas noites: quebra de paradigmas
    ESPERANÇA – Quantos dias. Quantas noites: quebra de paradigmas (Maria Farinha Filmes/Divulgação)
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    Embora estejamos em um momento em que a morte é uma grande ameaça, o senhor utiliza um filme sobre velhice para falar sobre vida. Pode comentar um pouco sobre isso? Esse filme aciona alguns dispositivos e o principal deles é a quebra de tabus. A ideia é derrubar os paradigmas que fazem com que a gente tente se livrar de tudo que é velho. Nós estamos fazendo isso com as pessoas e, com isso, um manancial imenso de experiência é desperdiçado. Quem é jovem vive uma expectativa de juventude eterna que é péssima para a engrenagem do mundo. 

    Esse filme completa uma trilogia. Além do tempo, o que conecta essas três obras? Esses três filmes têm várias conexões, embora nada tenha sido planejado. Do ponto de vista cinematográfico, são filmes com diferentes perspectivas formando um coro. Além disso, não se limitam à denúncia, mas buscam apontar possíveis horizontes. Todos discutem a relação com o tempo e o espaço, como o tempo é tomado desde a infância, como no Tarja Branca, e como a rotina de trabalho arrasta a liberdade e a plenitude do ser humano. Nunca Me Sonharam também aborda essa perda de tempo, refletindo sobre a juventude brasileira. Esses filmes questionam a perpetuação de um sistema que rouba o tempo das pessoas, e, como disse Antônio Cândido, tempo não é dinheiro, mas “o tecido da vida”.

    Pessoalmente, o filme te despertou algum sentimento sobre envelhecer? Ultimamente é muito difícil ver o rumo das coisas. Eu vou fazer 50 anos amanhã e às vezes eu fico pensando, será que se eu viver bem, até os 80, eu vou ver um mundo melhor? Isso dói um pouco, porque o tempo passa muito rápido, então me assusta profundamente, eu queria muito ver as coisas melhores, acho que esses filmes têm essa ótica. 

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    Apesar de tudo isso, vale a pena continuar tentando viver cada vez mais? Sim, eu acredito que sim. O que une esses filmes é esse encantamento, algo que está no campo dos mistérios. Não sabemos o que vai acontecer, e embora o cenário não seja promissor, é a única maneira. Acredito que não conseguiremos viver de forma tranquila. Vamos ter que lutar, não há outra opção. Existir não será tranquilo.

    Então houve uma transformação na sua maneira de pensar? Todo filme é transformador, especialmente aqueles que nos fazem mergulhar em realidades desconhecidas e nas almas das pessoas. O que realmente importa é o que fazemos com a informação que absorvemos. Esses filmes não são de autoajuda, mas provocam um desejo de entender mais sobre o outro, o mundo e a vida. Isso pode parecer abstrato, mas é porque é imenso. Eu me interesso muito pelo outro, o que me mantém vivo. Uma criança me perguntou o que me faria não querer mais viver, e eu pensei: “se eu não pudesse mais filmar, contar histórias”, isso seria devastador para mim. Filmar é o que mais amo na vida, e acho que muitos sentem que, sem isso, a vida perde seu sentido.

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