Um estudo realizado em turmas de creche e pré-escola de 12 municípios brasileiros indica que 89,8% delas ignoram o ensino de questões étnico-raciais. Os dados estão na Avaliação da Qualidade da Educação Infantil: Um retrato pós BNCC (Base Nacional Comum Curricular), feito em parceria da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal com o Itaú Social.
O estudo concluiu que as crianças da Educação Infantil participaram de cerca de 11 mil horas de atividades, sem ênfase nas questões raciais. Os materiais artístico-cultural e científico de diferentes origens étnico-raciais tiveram a menor presença nas salas de aula, sendo completamente ausentes em 70% das turmas. Todas as regiões do país foram incluídas no mapeamento, que considerou 3.467 turmas, sendo 1.683 creches e 1.784 pré-escolas.
O estudo tem como referência a Lei 10.639, que há exatos 21 anos estabeleceu a inclusão de conteúdos relacionados à história e cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar. Renato Brizzi, coordenador de Ensino Fundamental do Itaú Social, alerta que outro problema é a frequência com que esses temas são abordados durante o ano letivo. Normalmente, as atividades pedagógicas ficam concentradas no mês de novembro (a busca por informações sobre a lei no Google Trends cresce, consistentemente, durante esse mês, bem como em maio, por ocasião das comemorações da Lei Áurea), quando é celebrado o Dia da Consciência Negra.
A disparidade não se restringe ao conteúdo educacional. “É importante destacar que na Educação Infantil, além da falta de conteúdos pedagógicos, alguns estudos mostraram que existe uma hierarquização racial na medida em que algumas crianças são elogiadas, abraçadas e escolhidas para as brincadeiras, em detrimento de outras. Já no Ensino Fundamental e Médio, a resistência institucional e a falta de formação do docente ao longo da carreira são fatores determinantes que dificultam a difusão da temática durante o ano”, explica Renato.
Para a gerente de Desenvolvimento e Soluções do Itaú Social, Sônia Dias, o estudo deixou claro que ainda há muitos desafios para que a Lei 10.639 seja de fato aplicada. Segundo ela, mesmo nesse cenário, é possível comemorar alguns avanços, como a criação de cursos específicos para formar professores e a reformulação de livros didáticos, que passaram a trazer mais conteúdos que valorizam a história e cultura afro-brasileira.
“É importante não colocar a população negra apenas em uma posição de subalternidade e inferioridade. Valorizar conteúdos sobre história africana, que nem eram mostrados antes, como a dos reinos africanos que existiam no continente antes e depois da colonização. Devemos valorizar e dar visibilidade para a contribuição da população afro-brasileira. A Lei 10.639, acima de tudo, tem como objetivo contribuir para que haja maior discussão e entendimento sobre a diversidade da nossa sociedade. E também contribuir para diminuir o racismo. E a gente tem visto como isso é desafiador, como o racismo é presente e como estrutura a sociedade brasileira”, enfatizou Sônia.
Como encontrar conteúdos adequados?
Para ajudar instituições e professores a mudarem esse cenário, uma plataforma traz conteúdos pedagógicos voltados especialmente para a história e cultura afro-brasileira. Trata-se da Anansi – Observatório da Equidade Racial na Educação Básica, que tem o apoio do Itaú Social e do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), por meio do Edital Equidade Racial na Educação Básica.
O acervo digital traz uma variedade de opções que podem ser replicadas em sala de aula, como dicas sobre a relevância do ensino da matemática antirracista, sugestões de livros literários de autores negros, aplicativos, catálogos de jogos e brincadeiras e documentários que destacam a importância da representação e autoestima dos estudantes.
(Com Agência Brasil)