O significado de felicidade sempre atiçou a curiosidade intelectual de pensadores, que, ao longo dos tempos, tentaram defini-la. Na Grécia Antiga, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) dizia que ela era exclusividade dos sábios, aquele estrato da sociedade que usava seu vasto conhecimento para viver de forma ética e justa. Seu conterrâneo Epicuro (341 a.C.-270 a.C.), da linha hedonista, afirmava de forma simples e direta que só era feliz mesmo quem experimentava os prazeres mundanos. A modernidade trouxe mais complexidade ao debate, desembocando em Sigmund Freud (1856-1939), o pai da psicanálise, que sacudiu a cena ao questionar a ideia da realização plena — para ele, uma utopia. Mesmo que circunscrita a certos momentos e fases da existência, a humanidade se move pela busca de tal sensação. Os estudos na área sempre sinalizaram que a alegria é mais recorrente na infância e na juventude e que, conforme vão passando os anos, envoltos em responsabilidades e preocupações, o bem-estar se torna mais difícil de alcançar. Pois tudo indica que no frenético mundo que abriga a geração Z, a turma nascida entre 1995 e 2010, a curva não é mais assim.
Respeitado termômetro que afere a felicidade há mais de uma década, o World Happiness Report, conduzido pela Universidade de Oxford com apoio da ONU, mostra que, pela primeira vez, são elas, as novas gerações, que estão puxando a média geral para baixo, revelando tormentos e angústias em maior grau que os mais velhos — uma espécie de crise da meia-idade antecipada. Atentos ao ranking de 143 países, especialistas se puseram a refletir sobre ele tão logo o perturbador resultado veio à luz. Os Estados Unidos, que nunca haviam ficado de fora do pelotão da frente, o dos vinte primeiros, cravou a 23ª colocação entre as nações mais felizes — e isso tem tudo a ver com os jovens. Se apenas os dados dessa fatia da população fossem contabilizados, os americanos despencariam para o 62º lugar. Heptacampeã da lista, a Finlândia é outra que registra o fenômeno, observado por toda a Europa e também no Brasil: os integrantes da ala Z fazem aquele trecho da Escandinávia baixar para 7º no rol da satisfação — indicador composto de itens como a percepção da liberdade e da generosidade, aliada à segurança e à ideia de uma vida saudável. “Pensar que em algumas parte do mundo os jovens vivem uma crise de meia-idade exige uma ação imediata”, afirmou Jan-Emmanuel De Neve, à frente do World Happiness Report.
Uma das explicações para o cenário que o levantamento delineia reside no universo das redes sociais, no qual a turma Z está imersa no mais alto grau. No mundo virtual, a felicidade é perigosamente idealizada, causando frustração a quem não se vê parte dela, e as respostas são muito rápidas, tudo a um clique de distância. “É uma geração exposta a uma realidade editada e essencialmente imediatista, que cresceu habituada a ter as coisas na hora, entrando em desespero quando algo dá errado”, pontua a psicóloga Ceres Araujo.
A esse caldo soma-se o tipo de educação que predomina entre os jovens — os pais percorrem hoje uma via de mais diálogo justamente porque cresceram num contexto de maior rigor e não querem reproduzi-lo. Eis aí um avanço, que embute, porém, uma ponderação: o exagero na dose, que deixa os seres em desenvolvimento sem freios, pode se desdobrar em um contingente com dificuldade de enfrentar as asperezas da vida real. O recém-lançado Bad Therapy, da autora americana de best-sellers Abigail Shrier, cutucou o assunto, elevando a fervura. A autora sustenta que a superproteção dos pais é um dos motivos de os jovens de agora não conseguirem lidar com sofrimentos corriqueiros, um prato cheio para a decepção e tristeza, criando uma geração que não sabe ser contrariada. “Crianças precisam de autoridade. Não significa educar sem amor, mas os pais precisam estar no comando”, dispara Abigail, alimentando a polêmica.
Os estudos confirmam que a crise existencial típica dos 40, 50 anos está atingindo precocemente os jovens, que citam desilusões ao dar os primeiros passos na carreira e ansiedades sobre o futuro. A estudante de ciências sociais Flávia Marçal, 25 anos, sente-se frequentemente em débito consigo mesma, como se pudesse ir mais longe, sem conseguir. “Tenho a sensação de que as pessoas à minha volta sabem mais o que querem do que eu, que não tenho um propósito claro”, diz ela, que reconhece o lado tóxico das redes. Por isso, aos poucos, está parando de acompanhar detalhes da rotina alheia, que em nada lhe acrescentam. A estudante faz coro com brasileiros de sua faixa etária – enquanto o país ficou em 44º lugar no World Happiness Report, os jovens fazem a média desabar, levando o país a retroceder dezesseis posições.
Fatores sociais como nível de emprego, segurança e acesso a serviços de saúde impactam positivamente a felicidade, ao passo que o medo das consequências do aquecimento global afeta o bem-estar dos jovens em escala inédita. Uma pesquisa publicada no periódico científico The Lancet, que ouviu mais de 10 000 indivíduos entre 16 e 25 anos, constatou que 67% deles acusam o baque, dizendo com todas as letras o quanto as mudanças climáticas os põem a pensar sobre a finitude e o futuro de maneira mais ampla. “Os temores dessa geração vão desde as perspectivas de carreira, que para alguns parece sem horizonte, até a saúde do planeta, receios que a pandemia intensificou”, observa a antropóloga Joanice Conceição. As incertezas na economia são sabidamente um motor para angústias e, nessa geração marcada pelo imediatismo, elas soam ainda mais superlativas. “Estou frustrado com a vida adulta. De um dia para o outro, fiquei desempregado e cheio de dívidas. As coisas não aconteceram da maneira que eu imaginava”, desabafa o ator Jordan Navegantes, 25 anos. Sob todos os pontos de vista, a preocupação com o amanhã, intrínseca à espécie, é compreensível. O xis da questão é não deixá-la apagar o otimismo que define a juventude.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887