A rivalidade histórica entre a Nike e a Adidas, no esporte ou no simples flanar, é uma das páginas de nosso tempo. Na briga pela preferência dos consumidores, a marca americana, criada em 1972, cujo nome foi inspirado na deusa grega da força e velocidade, quase sempre levou a melhor contra a grife das três listras do alemão Adolf “Adi” Dassler, fundada em 1949. Os produtos inovadores da linha dos Estados Unidos, como os tênis Air Force e Air Max, e as parcerias duradouras com nomes como a lenda do basquete Michael Jordan fizeram com que a empresa andasse na frente, e a passos largos. Agora, no entanto, o jogo começa a virar. Depois de reverter um prejuízo milionário com a demissão do rapper Kanye West, com quem criou a linha de tênis Yeezy, a Adidas conseguiu recuperar o prestígio de modelos antigos como Gazelle, Spezial, SL 72 e principalmente o Samba, que nasceu na Alemanha, às vésperas da Copa do Mundo de 1950, no Brasil, e hoje é o preferido dos jovens ligados em moda. Enquanto isso, a Nike enfrenta os piores resultados de sua história, tendo que, às pressas, trocar o ex-CEO John Donahoe pelo antigo presidente Elliott Hill, tirando-o da aposentadoria para reverter o cenário.
Mas o que aconteceu? “Um erro grave de estratégia”, diz Marcos Bedendo, professor de marketing da ESPM e coautor do livro Marketing H2H: a Jornada para o Marketing Human to Human. Segundo o especialista, o problema da Nike foi ter mudado radicalmente sua estratégia de vendas para fortalecer o comércio eletrônico, abrindo mão de canais intermediários — varejistas, atacadistas e lojas físicas — para adotar apenas um modelo de negócio centrado no consumidor final. A decisão implantada pouco antes da pandemia também forçou a empresa a fazer adaptações internas e reorganizar seu portfólio. As categorias focadas em futebol, basquete, esportes aquáticos e outras foram substituídas por um formato generalista, dividido apenas entre homens, mulheres e crianças. A lógica funcionou por um tempo, já que a crise sanitária acelerou o comércio on-line. “Na pandemia, a Nike estava pronta, saindo muito na frente dos concorrentes”, diz Bedendo.
Mas a alegria durou pouco. Com a reabertura das lojas e o anseio pelas experiências de compra fora do ambiente digital, os resultados despencaram. “A Nike perdeu esses canais de venda vitais, enquanto as outras estavam nas vitrines”, afirma Bedendo.
Na disputa, a Adidas ganhou espaço e apostou na estratégia de reviver tênis clássicos. Com novas cores e materiais, o Samba, por exemplo, passou a ser visto nos pés de personalidades como Kendall Jenner, Gigi Hadid e o cantor Harry Styles. Até a modelo Hailey Bieber, adepta do tênis Jordan, passou a ser vista com um modelo listrado para chamar de seu.
Agora, enfim, a Nike parece ter acordado, em uma disputa cultural e comportamental. Além da demissão de Donahoe, restabeleceu as categorias da empresa, cada uma com um diretor focado em seu mercado, negócio, celebridades, parcerias e vendas. Mais complicada é a relação com os lojistas. O novo (antigo) presidente prometeu reverter a situação. O retorno de Hill foi bem-visto pelo mercado, com valorização de 7% dos papéis da companhia no dia do anúncio. A etiqueta americana deve ainda continuar as parcerias com nomes do esporte e da música, especialmente para a linha Jordan, adorada por estrelas como Rihanna e Ludmilla, e apostar em novas colaborações, como já anunciou com a Supreme, grife de streetwear do momento. A Adidas, por sua vez, continuará capitalizando espaço, impulsionada pela alta demanda nostálgica, além de um novo calçado inspirado no automobilismo, apresentado no desfile de Stella McCartney, em Paris. “Os modelos icônicos representam a interseção entre tradição e modernidade, que ecoa na cultura jovem”, diz Giovanna Aranha, gerente de marketing da Adidas Brasil. Está provado que, se os modelos estão nos pés de quem dita a moda, o sucesso é certo.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915