A estilista francesa Coco Chanel dizia que o conforto tem formas. Nem sempre, contudo, são as mais agradáveis aos olhos de todos. O mais recente exemplo a incluir-se na categoria é o pillow slide (algo como chinelo para ir dormir). Chamado também de nuvem, em alusão às sensações de leveza e maciez que proporcionaria, o modelo é um sucesso comercial que está dividindo o mundo fashion em dois times: os que o amam e aqueles que o odeiam. Seu apelo é o conforto, mas é o design controverso que alimenta o barulho em seu entorno e o eleva à onipresença nas redes sociais — só no TikTok, a ágora inescapável, são mais de 3,5 milhões de menções — e em boa parte do universo da moda. A modelo americana Lea Toshiye, a apresentadora brasileira Marina Santa Helena e outras figurinhas conhecidas por lançar ou seguir tendências têm um no guarda-roupa. O exemplar da Adidas que leva a marca do rapper Kanye West, o Slide Yeezy, foi o item mais buscado por homens do mundo todo nos últimos três meses de 2021, segundo o portal Lyst, termômetro de tendências e consumo de moda. Na lista dos objetos de desejo, o artigo ficou à frente de campeões tradicionais como os óculos de sol de armação off-white e dos tênis PRAX 01, da italiana Prada. Atualmente, os chinelos de Kanye West estão indisponíveis.
Olhando-o rapidamente, é difícil entender por que um artigo tão básico alcançou tamanha dimensão. Ele é muito parecido com opções que eram facilmente encontradas em qualquer canto ou à venda em lugares especializados em produtos ortopédicos. Seu desenho é rudimentar: sola e uma tira larga por cima. O que o torna um fenômeno é a combinação entre a capacidade de criação de modas pelos fashionistas, o conforto oferecido por seu formato amplo e anatômico e a escolha a dedo da matéria-prima. Feito de espuma de etileno vinil acetato, material produzido a partir de um polímero de espuma densa à prova d’água e 100% reciclável, o “nuvem” é mais leve, aderente e flexível do que os tradicionais, de plástico comum. A tira larga e a sola tratorada ainda ajudam na absorção do impacto da pisada. No Brasil há mais um fator que contribui para sua popularização — existem versões à venda nas principais cadeias de lojas. O brasileiro ama um chinelo. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, em 2019 a categoria representou 46% de tudo o que saiu das fábricas. Em 2020, metade da produção nacional de sapatos foi de chinelos. E a perspectiva é que eles continuem ganhando espaço, impulsionados pela parcela da população que experimentou o despojamento no vestir ao longo da pandemia, gostou e decidiu seguir com o estilo.
Para quem aderiu à peça, o indicado é entrar sem medo no estilo chinelo de domingo. “Ele pode render bons looks, especialmente se usado com meias”, diz o stylist Thiago Ferraz. O calçado virou item essencial em produções com pegada streetwear, combinados a jeans e moletons, bem ao gosto dos jovens. Aos mais conservadores, há alternativas menos ruidosas para as combinações, ao menos para as mulheres. São chinelos com tiras em estampas, rasteirinhas de cores fortes e solares e sandálias no estilo pescador afeitas a dar toque caprichado às produções, além de deixar os pés leves. Difícil é escapar da onda — e não há risco de cair das nuvens.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776