Frente a crise na mobilidade pública, são constantes as discussões a respeito do que fazer para melhor o fluxo de transito, em especial nas grandes metrópoles. Para muitos, os carros autônomos e elétricos serão a solução, mas para o engenheiro e consultor Sergio Ejzenberg, essa não é a saída, nem tampouco será a criação de um semáforo com quatro luzes.
Em entrevista a VEJA, o especialista em mobilidade falou sobre os problemas que poderão ser causados por esses modais, deu um panorama da crise atual e falou sobre as soluções possíveis para esse problema que, a cada dia, parece piorar.
Como é que o senhor vê a ideia de um semáforo com quatro luzes? Não faz sentido. O motorista, quando dirige, tem que olhar muitas coisas ao mesmo tempo. Ele não é um multiprocessador infalível. Quando você começa a colocar alguma invenção, começa a dar problema. O semáforo que tem o temporizador para o motorista, por exemplo. Vendo de longe que tem mais cinco segundos de verde, ele acelera para ver se aproveita o sinal, podendo causar um acidente gravíssimo. Para o ser humano, as três cores já estão boas demais.
Qual o perigo de um sinal a mais? Do ponto de vista matemático é muito bonito, mas quando cai na real, não. Alguns motoristas podem pensar e reagir instantaneamente, outros vão ficar pensando e se ele resolver, com retardo, fazer a bobagem de seguir às cegas quem vai na frente, ele pode estar passando no vermelho. Não é como um veículo autônomo. Ele é um ser humano passível de distrações e de outras preocupações. As invenções no semáforo têm que ser vistas com muito cuidado, porque o comportamento humano não é padrão.
Como lidar, então, com a presença dos carros autônomos? Se nós estamos falando de substituir os motoristas por veículos autônomos, então vai ser uma maravilha. Hoje nós nos perguntamos se o carro autônomo será seguro, mas daqui a dez anos, a pergunta da sociedade será se o motorista é seguro.
Eles vão resolver o problema dos congestionamentos? Não vão. Podem agravar. Quando você tiver um veículo autônomo, o custo dos carros por aplicativo vai cair, porque o maior gasto hoje é o motorista. Em trajetos curtos, o ônibus e o aplicativo não vão diferenciar muito, só que o ônibus te faz perder um tempo enorme e o aplicativo, não. A demanda crescendo, as ruas ficarão congestionadas por excesso de veículos. Isso sem nem falar na dificuldade que será estacionar, o que fará com que os veículos fique, circulando até encontrar uma vaga. Nós vamos ter problemas outros que não existem agora.
Será o fim do transporte público? Vai acabar de destruir o sistema de transporte público, que depende da massa para se sustentar. Se perde usuário, o sistema começa a dar déficit, desequilíbrio econômico e demandar subsídio até que quebre. É o que nós estamos vivenciando no sistema de ônibus de São Paulo, que está cada vez pior. É um ciclo vicioso de destruição por perda de passageiros, diminuição de frota e aumento do tempo de espera.
E qual o futuro desse tipo de transporte? O futuro que eu vejo de mobilidade nas grandes cidades não é o carro autônomo, mas o ônibus autônomo. Veículos levando muita gente em rotas dinâmicas que atendam e maximizam o uso. Como uma espécie de carona programada, com ônibus grandes em lugares de grande demanda e micro-ônibus em lugares de menor demanda. Isso vai fazer com que o custo caia muito e seja uma opção melhor do que o carro por aplicativo.
Estamos traçando um caminho positivo? Pensando apenas em São Paulo, a resposta é sim e não. O governo do estado está, sim, fazendo a lição de casa, ampliando o metrô, fazendo parcerias público-privadas, investindo pesadamente em transporte de massa por trilho. Já o governo municipal está colecionando erros graves no transporte público. Não investe em corredores de ônibus, reduziu a frota, aumentou o intervalo. Se não tem um serviço bom, perde passageiros. O município está caminhando no sentido errado ao não garantir um bom serviço de ônibus, que é obrigação dele.
E qual deveria ser a prioridade, hoje, para a melhoria da mobilidade? Nós estamos décadas atrasados, com tempos de deslocamento incompatíveis com uma vida saudável. Uma pessoa que gasta duas horas e meia para ir trabalhar está recebendo um tratamento cruel da cidade. Essa pessoa não vive. Ela chega em casa cansada e vai trabalhar cansada. O tempo de deslocamento não poderia ser superior a uma hora, e isso é possível com trem e metrô, mesmo para quem está muito longe.
Há espaço para alternativas? Não faz sentido falar de melhorias e alternativas se São Paulo, por exemplo, tem 100 quilômetros de metrô quando, na realidade, deveria ter 600 para funcionar adequadamente. Essa deveria ser a prioridade, hoje.
É possível fazer isso de maneira lucrativa? Com tarifas adequadas, sim. Veja que interessante. Quem faz uma linha de metrô em São Paulo tem lotação máxima na semana seguinte. É como se você abrisse uma loja para vender pastel e na hora que você levanta a porta, tem uma fila de um quarteirão porque você é o único vendedor de pastel. Com o metrô é isso. Tem tanta carência que a linha lota no dia seguinte à inauguração.
O que impede que isso aconteça? É preciso estabelecer parcerias público-privadas, tentar ter um ambiente saudável de negócios, segurança jurídica. Tudo aquilo que o Brasil não tem. A insegurança jurídica de cima a baixo é total.
E as ciclovias? A bicicleta é um modo complementar, mas não resolve o problema da mobilidade. Quando você faz o metrô, ninguém é jacu de ficar andando de bicicleta para respirar ar poluído e chegar sujo e cansado no trabalho. Se você consegue fazer o corredor de ônibus e completar com a ciclovia, põe. Mas se você tiver que escolher entre ciclovia e corredor de ônibus, a prioridade é o corredor de ônibus, que transporta milhões de pessoas. Metrô e ônibus devem trabalhar juntos para se complementarem.
Existe alguma cidade que hoje seja exemplo de mobilidade no Brasil? Olha, há 30 anos, Curitiba começou de uma maneira maravilhosa e fez corredores de ônibus atrelados com leis de uso e ocupação do solo, mas parece que alguma coisa desandou, porque já estão atrasados com o metrô há mais de uma década. Por muito tempo eles foram um exemplo para o Brasil e para o mundo.