E então a vida voltou ao tal do “novo normal”, em quase tudo parecido com o velho, depois do auge da pandemia. O Zoom perdeu espaço com a retomada do trabalho presencial. As máscaras a cobrir os rostos ficaram em casa. O pão caseiro já não exala o cheiro gostoso de antes. Há, contudo, uma honrosa exceção: os Crocs, tão amados, mas tão odiados, que chegaram a ser sinônimo de mico estético, a versão de fibra sintética da malfadada pochete. Desde a pandemia, as vendas dispararam. Para este ano, a previsão é de 400 milhões de dólares (veja quadro). As ações da empresa sediada no Colorado triplicaram de valor no mesmo período, sinal de otimismo para o futuro. É a vitória da deselegância, interessante demais para ser negligenciada.
Onipresente nas passarelas de moda, firme nos pés de famosos como o cantor canadense Justin Bieber, a faz-tudo Paris Hilton e o rei Charles III, entre tantos outros, o Crocs traduz uma aventura de sucesso econômico atrelado ao marketing. Concebido para ser um sapato náutico, foi desenhado com a forma de um barco com solado antiderrapante. O pulo do gato: desenvolvê-lo com um material plástico, o Croslite, leve, resistente a odores e ao crescimento de fungos. Tudo começou quando três amigos americanos viram a peça no Canadá. Adquiriram os direitos de fabricação e abriram uma fábrica nos EUA. Era a confirmação de uma máxima popular ao norte: os canadenses inventam e os americanos aperfeiçoam.
O sucesso global veio depois da reformulação imposta pela grande crise atravessada pela empresa em 2008. Deram-se a diversificação da linha — hoje a marca tem até botas — e a abertura de lojas próprias. “Antes, os Crocs eram vendidos pelas grandes redes, o que dificultava o lançamento de modelos variados”, diz Roberto Kanter, professor de marketing e gestão comercial da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. Hoje são cerca de 350 lojas, em noventa países, e dá-lhe variação.
Houve, também, casamento perfeito com o universo das redes sociais e do e-commerce, e peças para tudo quanto é tipo de tribo. “Ao desenvolver linhas especiais para comunidades fortes como as dos fãs de Star Wars, a grife ganhou relevância”, diz Marcos Bedendo, professor de branding, da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Foram truques fundamentais dar as mãos a marcas como a espanhola Balenciaga (ah, aquele Crocs com scarpin…) e aplicar diamantes, como fez o hypado designer britânico Christopher Kane, além das recentíssimas versões chiques da irlandesa Simone Rocha. As collabs, com a Balenciaga, aceleraram os negócios em 88%. Mais do que isso, fizeram do feio algo desejável. “Ao ganhar novos significados, os chinelos entraram na moda”, diz Marilia Carvalhinha, especialista em fashion business, da Faap. E atire a primeira pedra, de uma vez por todas, quem não tem um Crocs para chamar de seu.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2023, edição nº 2862