A indústria automotiva global colocou o pé no freio nos últimos dois anos. Sumiço de chips, problemas logísticos e crise de oferta de modelos novos foram alguns dos fatores que levaram boa parte das montadoras a derrapar. Nenhum dos efeitos que afetaram o mercado tradicional, porém, chegou ao universo de carros de luxo. As principais empresas do segmento têm divulgado seus resultados financeiros referentes a 2021 e todas, sem exceção, registraram recordes de venda. Bentley, Lamborghini, Porsche, Rolls-Royce, BMW e Ferrari viram a demanda disparar. A alemã Porsche negociou exatos 301 915 veículos, o melhor resultado de sua história. Na italiana Ferrari, 11 155 carros deixaram as fábricas para brilhar nas ruas — foi também o maior desempenho de todos os tempos. Para onde quer que se olhe, os números impressionam. Até a discreta montadora britânica Bentley teve um 2021 para comemorar, com 14 659 unidades vendidas. Segundo a empresa, o desempenho representou um incremento de 31% sobre 2020.
A situação se repete no Brasil. No primeiro ano da pandemia, os emplacamentos de carros da Porsche cresceram 32%. Agora, há filas de espera para quem quer ter o seu próprio modelo da marca. O mesmo vale para a BMW, cujo exemplar mais vendido no país, o 320i, viu seu mercado acelerar quase 50% ante 2020. Levando em conta todos os seus modelos, as operações da montadora cresceram 43% no primeiro semestre de 2021 — também um recorde.
Diversas razões explicam o fenômeno. “A pandemia foi positiva para o setor de luxo inteiro, de carros a joias, de bolsas e sapatos”, afirma o consultor Carlos Ferreirinha. “Isso é resultado do represamento de dinheiro e da oscilação econômica, em que produtos caros se tornam bons investimentos.” Há outros motivos. Com as restrições de viagens para diversos países e a falta de alternativas de lazer, consumidores abastados direcionaram seus recursos para a compra de itens de alto valor agregado. Nesse contexto, poucos objetos aguçam tanto o desejo quanto as máquinas icônicas da indústria automobilística — e elas respondem à altura com bólidos cada vez mais sofisticados.
As montadoras souberam aproveitar as tendências do mercado para oferecer exatamente o tipo de veículo mais cobiçado pelos consumidores. E isso fica claro na enorme procura pelos utilitários esportivos, segmento que ocupa o topo da preferência do público. O Lamborghini Urus, lançado em 2018, ainda é o principal modelo da marca, responsável por quase 60% das vendas. O Bentayga, SUV da Bentley, também liderou o ranking da montadora. Até a Ferrari resolveu surfar a onda e prepara o lançamento do Purosangue, assim batizado para que não restem dúvidas de que, mesmo com visual mais parrudo, o cliente vai contar com a herança esportiva italiana sob o capô.
Os elétricos também responderam por uma fatia importante das vendas. Os lucros da Ferrari foram impulsionados pelo híbrido SF90. Já o totalmente elétrico Taycan, da Porsche, foi o carro do segmento mais vendido no Brasil no primeiro semestre do ano passado. O interesse é tão grande que Ferrari e Bentley prometeram colocar no mercado versões 100% elétricas a partir de 2025, ou antes disso. É preciso destacar também uma importante mudança geográfica para a consolidação do segmento de luxo. Embora Estados Unidos e Alemanha ainda sejam os principais destinos globais, as vendas para a Ásia — especialmente China, Hong Kong e Taiwan — dobraram na pandemia.
Tudo indica que 2022 trará novos recordes. A Lamborghini já recebeu pedidos suficientes para cobrir toda a produção prevista para o ano. Os lançamentos também devem manter em alta o interesse do público. “Teremos importantes produtos, como a nova geração do nosso SUV Macan e esportivos de alto desempenho, como o 718 Cayman GT4 RS”, afirma Leandro Rodrigues, gerente de relações públicas da Porsche. Para as montadoras de luxo, a crise é vista apenas pelo retrovisor.
Publicado em VEJA de 2 de março de 2022, edição nº 2778