Em 1947, mais precisamente às 10h30 do dia 12 de fevereiro daquele ano, Christian Dior mudaria de maneira drástica a forma como as mulheres se vestiriam após a II Guerra. Apresentando seu “New Look”, composto pelo hoje icônico Bar suit, uma jaqueta creme com basques arredondadas e cintura ajustada por espartilho, sobre uma longa saia preta de crepe de lã plissado, o estilista francês entrou para a história da moda. Nostálgico, Dior trouxe à sua criação referências dos anos 1860, período em que se enalteciam a feminilidade extrema e os valores tradicionais com silhuetas desenhadas por corsets, anáguas e saias volumosas cheias de tules, crinolinas e estofamentos.
Assim, mesmo defendendo uma estética que não condizia com os árduos trabalhos que elas tiveram de assumir durante a guerra (e recebendo críticas de que estaria tentando reprimir a liberdade feminina), o designer de moda entendeu o desejo de tantas mulheres exaustas dos tempos de tristeza e racionamento que seguiram ao conflito e à crise na Europa. Elas ansiavam por roupas mais sofisticadas, que evocassem seus sonhos, o que explica o sucesso do novo estilo que viria a dominar os anos 1950. “Nós saímos de uma época de guerra, de uniformes, de mulheres-soldados, de ombros quadrados e estruturas de boxeador. Eu desenho mulheres-flores, de ombros doces, bustos suaves, cinturas marcadas e saias que explodem em volumes e camadas”, disse Dior àquela época.
Agora, na esteira de outro tipo de crise, as saias volumosas retornam à cena. Ainda que o mundo de hoje seja bem diferente daquele de quase oito décadas atrás, a vontade de materializar sonhos após um extenso e sombrio período de isolamento está prevalecendo. São os “desejos coletivos da moda”, nas palavras do estilista brasileiro Reinaldo Lourenço. Com o retorno das atividades presenciais, incluindo festas e outros eventos sociais, o estilo moletom-pijama começou a ser deixado para trás, e as pessoas passaram a buscar roupas capazes de expressar uma ideia de renascimento — que faz bem a quem veste, mas também a quem vê. E é aí que as saias vão rodar, porque as peças longas e volumosas, irresistíveis ao olhar, despontam como uma tendência lúdica, libertadora e exuberante. Dentro e fora das passarelas.
Nos últimos desfiles internacionais, chamaram a atenção os suntuosos vestidos de tule elaborados pelos holandeses Viktor & Rolf, estrelas na semana de alta-costura de Paris. No Brasil, o sublime modelo pink apresentado por Lourenço simboliza muito do que ele apresentou na última semana em seu desfile de roupas de festa. “É a volta da moda dos anos 1950”, afirma o estilista. “Essas peças com volumes trazem sonho. E hoje as pessoas precisam de emoção e querem criar memórias”, diz. Repaginadas, as saias também dominaram o tapete champanhe da cerimônia do Oscar 2023, balançando no corpo das atrizes Halle Bailey e Cara Delevingne. Nas redes sociais, musas dos tempos pandêmicos e digitais, como Selena Gomez, Bruna Marquezine e Marina Ruy Barbosa, também viraram expoentes da tendência.
E se engana quem pensa que as saias ficarão confinadas ao ambiente de festas, fotos e passarelas. Elas sairão às ruas, como mostra a personagem fashion Carrie Bradshaw, vivida por Sarah Jessica Parker na série And Just Like That…, continuação de Sex and the City, que enverga camadas de tule branco combinadas até com tênis e camiseta. Outro sinal dos tempos: as peças de maior dimensão estão, sim, permitidas; não há mais regras absolutas, cada um veste o que gosta e adere à moda que quiser. A cada ciclo, suas expressões. A saia, um dos vestuários mais antigos da história, cujo primeiro registro de uso remonta ao Egito por volta de 3000 a.C., se reinventou ao longo dos séculos, servindo tanto para demarcar gêneros e classes sociais como para dar vazão a sonhos femininos. Agora, com todo o volume, prova que é mais atual do que nunca.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836