No mítico clipe da balada Papa Don’t Preach, de 1986, Madonna causou barulho ao envergar uma camiseta com os dizeres Italians Do It Better (“Italianos fazem melhor”, em bom português). Repleta de duplo sentido, a frase exaltava, segundo a cantora, sua ascendência italiana por meio da moda. Cinco anos depois, a diva pop parecia responder ao aviso estampado na roupa ao roubar os holofotes no tapete vermelho do Festival de Cannes. Ali, ela surgiu com um vestido preto de uma dupla de estilistas ainda desconhecida, Domenico Dolce e Stefano Gabbana, italianíssimos. O episódio foi o propulsor do sucesso da grife criada em Milão: Dolce&Gabbana. “Construímos a marca em torno de três conceitos: Sicília, alfaiataria e tradição”, afirmou Dolce. É fórmula exitosa que está completando 40 anos.
Para celebrar a maison que instalou o estilo feito à mão no altar do luxo, o Palazzo Reale, na cidade que é o berço da D&G, receberá a exposição Dal Cuore Alle Mani (“Do coração às mãos”). Descrita como uma carta aberta à cultura italiana, a mostra trará, a partir de abril, peças de acervo, desenhos e outras expressões artísticas dos estilistas, recontando sua trajetória desde a fundação em 1984. Também será uma forma de coroar a grife adorada por fashionistas, celebridades e grande elenco, cujo processo criativo — o “coração” de Domenico e Stefano — está intimamente conectado ao trabalho artesanal.
A história da dupla nos leva ao final da década de 1970, quando Domenico deixou a Sicília em busca de oportunidades em Milão. Tímido, mas hábil no corte e costura, ele começou a trabalhar como assistente do estilista Giorgio Correggiari. Conheceu Stefano Gabbana em uma boate, no início dos anos 1980, e logo fez amizade, impressionado pela personalidade extrovertida do futuro parceiro. Dolce o incentivou a pedir um emprego a Correggiari, e assim trabalharam juntos até 1983, quando resolveram seguir carreiras solo. Mesmo atendendo aos mesmos clientes, porém, eles cobravam a conta separadamente até o contador da dupla sugerir que emitissem uma nota fiscal conjunta. “Coloque Dolce e Gabbana no topo da fatura”, disse. O resto é história.
Não demorou muito para chamarem atenção pelas impecáveis peças manufaturadas, que misturavam tecidos e texturas, além das estampas, que se confundiriam com a identidade da grife. Extravagantes, os padrões de frutas, flores e animais viraram objetos instantâneos de desejo. Paisagens da Sicília, azulejos coloridos e imagens sacras também eram exaltados nas roupas. Embora tenha se projetado para o luxo, a D&G tinha uma proposta democrática. “Italianos sabem que o que importa é estilo, não moda. Estilo italiano não tem limites sociais ou de idade”, disse Gabbana. A primeira coleção, “Mulher Real”, trouxe peças para variados tipos de corpo. Anos depois eles seriam precursores na inclusão de modelos de todas as faixas etárias, tamanhos e etnias nos desfiles.
O vínculo com Madonna se estreitou em 1993, quando Domenico e Stefano assinaram os figurinos de sua turnê global The Girlie Show — nada menos que 1 500 peças. Em 2010, a cantora viria a protagonizar a campanha da marca, lançando inclusive uma linha de óculos. O passo seguinte foi dado no cinema. Em 1995, eles criaram o icônico conjunto xadrez de Alicia Silverstone no filme As Patricinhas de Beverly Hills. E, na sequência, os coletes de Leonardo DiCaprio em Romeu + Julieta. Fazendo sucesso entre homens e mulheres, a grife caiu no gosto de Hollywood. Sarah Jessica Parker, Scarlett Johansson e Matthew McConaughey são alguns dos fãs. No Brasil, Marina Ruy Barbosa é uma espécie de porta-voz informal da grife.
Nem tudo caminhou sempre com tranquilidade, é claro, e a culpa dos tropeções é do duo mesmo. Não raro, Dolce e Gabbana pecam pela língua ferina. Em 2013, por exemplo, Dolce deu uma declaração condenando a adoção de crianças por homossexuais — ironicamente, ele também é gay e chegou a ter um relacionamento amoroso com Gabbana. Foi o estopim para condenações públicas e boicotes às suas roupas. Depois disso, a marca lançou uma linha que cultuava a magreza, estampada pela frase “Magra e Maravilhosa”. E dá-lhe confusão. Controvérsias à parte, a mistura de refinamento e estética ousada inscreveu as duas letrinhas na história da moda. “Nosso sonho é criar um estilo tão forte que só de ver dá para dizer: ‘Este é um Dolce&Gabbana’ ”, disse Dolce. Ao que parece, o sonho já se realizou.
Publicado em VEJA de 8 de março de 2024, edição nº 2883