O ser humano até tenta copiar, mas existem coisas que a natureza faz questão de mostrar que são inimitáveis. O algodão é uma delas. Dificilmente se encontra matéria-prima tão leve e gostosa de se vestir. Remete, em um primeiro momento, a camiseta, moletom e roupas íntimas. Costura o tricoline e o denim, usado em jeans. É natural, versátil, menos propício a causar alergias. É democrático. São infindáveis os adjetivos empregados por quem tece um fio de elogios a esse material que nasce e cresce em árvores. Outro atributo é ser sustentável. E é com essa saudável mistura de benefícios para a moda e o ambiente que o algodão tem sido resgatado — especialmente ante a acelerada expansão dos tecidos sintéticos, cuja cadeia de produção e consumo faz mal à Terra.
Vive-se, portanto, uma boa hora para o algodão, e o Brasil — viva! — assumiu o posto de inédita relevância nesse movimento do bem. Hoje, o insumo responde por 54% dos tecidos utilizados pela indústria têxtil nacional. “Quando comparamos com o mundo, com um índice de 22%, estamos muito à frente”, diz Silmara Ferraresi, diretora de relações institucionais da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). O prestígio é impulsionado por estilistas e grifes — responsáveis pela maior parte do mercado de vestuário brasileiro —, de mãos dadas com o cultivo (o país é o terceiro maior produtor global, autossuficiente na oferta para a indústria de roupas). O movimento Sou de Algodão, criado em 2016 para unir todos os agentes da cadeia produtiva, com especial atenção para a colheita, finalmente ganhou tração. E deu-se uma expansão que parecia improvável, dada a popularidade das malhas sintéticas, como o poliéster, que vinha havia anos escanteando a fibra natural.
A campanha em defesa do material no Brasil ganhou fôlego com a adesão de 1 400 marcas, contemplando varejistas do porte de Renner, C&A e Riachuelo e 67 estilistas, com nomes como Reinaldo Lourenço e Martha Medeiros, que já priorizam a fibra em seus desfiles e vestidos de gala, e João Pimenta, que elevou o algodão ao posto de protagonista na São Paulo Fashion Week. Fora do Brasil há também expansão, como revelam as fotos leves e soltas da modelo Hailey Bieber.
A explosão de interesse combina com os humores dos novos tempos, em especial com os anseios das novas gerações, que já não compram só por comprar, atentas ao que levam para os armários domésticos. Nessa direção, um outro passo foi a criação do Sou ABR, primeira rede de rastreabilidade em larga escala na cadeia têxtil brasileira. Lendo um QR code nas etiquetas, pode-se saber tudo da peça: a fazenda de colheita, a tecelagem ou a malharia que desenvolveu o tecido e a confecção que cortou e costurou a roupa. Tudo certificado para que haja, no mínimo, 70% da fibra na composição do que se leva no corpo. Há quem ainda desdenhe do algodão — “Tragam os lençóis de seda pois não sou mulher de usar os de algodão”, disse certa vez Marilyn Monroe —, mas é chegada a hora de já não tratá-lo com desdém. É chique, sim.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864