É coisa séria. Criadas para serem vestidas de acordo com as tendências de estilo que brotam das passarelas, das ruas e das telas do cinema e do streaming, as fashion dolls — as bonecas de moda — ganharam renovado fôlego. Elas sempre exerceram fascínio, mas nos últimos anos, dada a variedade de modelos, de gêneros e etnias, deram um salto. Luxuosas, reproduzem grifes de renome, que não raro incentivam a produção das roupinhas. Vive-se o apogeu da brincadeira de gente pequena adorada pelos grandões. A estatística ajuda a iluminar o fenômeno: as vendas desse segmento refinado aumentaram 25% em 2023. Representam, hoje, 42% de um mercado global, o de figuras que reproduzem seres humanos, de 10 bilhões de dólares. Mas, afinal, qual o segredo da mágica que atravessa gerações? Colecionadores as apreciam não apenas pela beleza, mas também pela raridade, exclusividade e valor artístico e histórico, como se fossem pequenas obras de arte — e muitas são mesmo.
A febre cresce em progressão geométrica desde o remoto 1959, quando a americana Ruth Handler criou a icônica Barbie, para permitir que sua filha Barbara pudesse de fato trocar as roupas da boneca, aperfeiçoando o que ela já fazia de modo simbólico com brinquedos de papel. A roda nunca mais parou de girar. Recentemente, atrelada ao sucesso do blockbuster estrelado por Margot Robbie, ganhou tração. Foi a senha para que não apenas a mocinha inicialmente loira da fabricante Mattel acelerasse a procura por peças de coleção — outras marcas pegaram carona, como a Integrity Toys e a Mizi, além das franquias de princesas da Disney, a Monster High e — sim! — a brasileira Susi, relançada pela Estrela. E dá-lhe o desfile de edições especiais com etiquetas Christian Dior, Chanel, Versace, Givenchy, Carolina Herrera e Giorgio Armani. No Brasil, Alexandre Herchcovitch e Glória Coelho cederam os traços de suas criações.
Um truque para mantê-las sempre na ribalta é beber de Hollywood, coladas a nomes como Cher, Jennifer Lopez ou Barbra Streisand, colecionadora assumida. Outro caminho é descer a minúcias, como duas linhas da Integrity Toys, a Fashion Royalty e a Poppy Parker, que impressionam pelo artesanato, com rostos pintados a mão e formas realistas.
Se houvesse alguma dúvida da relevância econômica da onda, um atalho é o extraordinário resultado do leilão de uma boneca customizada pelo designer de joias australiano Stefano Canturi, vendida pela Christie’s de Nova York por 302 000 dólares, o equivalente a 1,7 milhão de reais, recorde dos recordes. “A exclusividade faz das peças itens valiosíssimos”, diz Luiz Schmit, fundador da Doll Collector, site dedicado a colecionadores. Servem também como registro de passagem dos anos, como se fossem fósseis de um tempo passado, em exercício de nostalgia. E moda, reafirme-se, é história, um modo arqueológico e lúdico de conhecimento, de investigação de maquiagens, expressões e posturas que já não existem no mundo real. “Por isso tudo, esse tipo de colecionismo pode ser bastante saudável”, diz Danielle Admoni, psiquiatra e pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A diversão com bonecas, enfim, pode ser uma experiência rica e valiosa que contribui para o desenvolvimento integral das crianças e pode trazer benefícios (e muito dinheiro) para os adultos. A atriz e modelo britânica Twiggy, símbolo charmoso dos anos 1960, disse ter se inspirado em uma de suas bonecas para trabalhar os cílios grandes tanto na parte de baixo quanto na parte de cima dos olhos. E vale o chavão… a arte imita a vida, e vice-versa.
Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902