Nas correntezas do oceano, os mamíferos aquáticos que deslumbraram a humanidade por suas acrobacias e chamados peculiares agora já podem esbanjar uma nova habilidade em comum com a nossa espécie. Sim, os golfinhos nariz-de-garrafa são capazes de sorrir. Não se trata de mera coincidência. Pesquisadores europeus acabam de comprovar que esses cetáceos abrem a boca de uma maneira semelhante ao riso durante interações lúdicas e prazerosas. O gesto surge justamente em contextos sociais, especialmente quando há contato visual entre os pares. Muito mais do que um reflexo, o comportamento sugere uma intencionalidade que ultrapassa as supostas limitações da espécie e destrona o homem como epítome de complexidade e sofisticação na interação em grupos. Na verdade, na natureza não somos tão únicos como pensávamos.
O fenômeno visto entre os golfinhos, conhecido como mimetismo facial rápido, já é bem documentado em mamíferos terrestres, mas era praticamente desconhecido em cetáceos. É fruto de um reflexo instantâneo em que o animal imita a expressão facial de outro em milissegundos. Essa reação ajuda a sincronizar movimentos e transmitir emoções durante contatos sociais — seja numa brincadeira na infância, seja numa confraternização na vida adulta. Os cientistas descobriram que a imitação ocorre treze vezes mais frequentemente quando o golfinho receptor está no campo de visão do emissor.
Como outros animais, os golfinhos utilizam diferentes sentidos para se comunicar, mas certos ambientes favorecem maneiras específicas de transmitir afetos e mensagens. “Essa espécie desenvolveu um dos sistemas vocais mais complexos do mundo, utilizando assovios agudos para interagir”, afirma Elisabetta Palagi, professora de etologia da Universidade de Pisa, na Itália, e autora do trabalho. Tamanha habilidade provavelmente evoluiu devido à vida em águas turvas — a visibilidade baixa forçou-os a depender da audição. No entanto, os gritinhos também podem expor os bichos a predadores. Por isso, em águas claras, quando estão mais próximos uns dos outros, eles priorizam as expressões faciais. “Por meio de uma mistura de assobios e sinais visuais os golfinhos conseguem cooperar e alcançar seus objetivos”, diz Palagi.
Do mar para a terra, elefantes também surpreendem com um comportamento que se julgava humano, demasiado humano: o uso de apelidos. Entre os elefantes-africanos, as vocalizações intencionais remetem a nomes individuais, como descobriu um experimento publicado na revista Nature Ecology & Evolution. Os estudiosos analisaram 101 chamados com o apoio de inteligência artificial e concluíram que, ao contrário de papagaios e golfinhos, que tendem a repetir sons para se referir a outros indivíduos, os paquidermes se valem de construções sonoras mais abstratas, que correspondem a nossos apelidos.
Enquanto isso, macacos saguis também têm algo a dizer sobre as fronteiras da comunicação. Uma pesquisa da Universidade Hebraica de Jerusalém constatou que eles são outro ramo da árvore da vida que desenvolveu vocalizações especiais para “conversar” em grupo. Os sons emitidos não são usados apenas para localização, como se pensava anteriormente, mas para a interação direta, algo próximo do que acontece entre os seres humanos. Os cientistas notaram que os saguis aprenderam a recorrer a rótulos vocais muito parecidos para diferentes indivíduos, indicando uma capacidade de adaptação num ambiente que também tem visibilidade reduzida, a densa floresta tropical.
Os paralelos entre as formas de comunicação de humanos e as de demais animais despertam o interesse de filósofos e cientistas há séculos. Em Expressão das Emoções no Homem e nos Animais (1872), Charles Darwin já argumentava que algumas delas deviam ter raízes comuns no reino animal. “Mas ainda é difícil saber se um sorriso vem de um ancestral comum entre golfinhos e humanos ou se apareceu na natureza de forma independente”, diz Mercedes Okumura, professora do Instituto de Biociências da USP, que ainda pondera sobre o fato de o estudo italiano ter sido feito com cetáceos de cativeiro, não em estado selvagem. Dúvidas e questionamentos à parte, os achados recentes parecem demolir o muro que o ser humano colocou entre ele e outros bichos. Entre um riso e um apelido, nossas semelhanças com as demais espécies parecem ser um lembrete darwiniano de que a evolução pode moldar as criaturas de maneiras fascinantes e convergentes.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916