Há momentos em que estou bem, em outros, nem tanto. Minha mãe (a jornalista da TV Globo Susana Naspolini), meu grande exemplo, me fez ser forte. Desde pequena, acompanhei de perto sua luta contra o câncer. Com aquela mesma disposição e otimismo com os quais fazia as reportagens que ajudavam a resolver os problemas de comunidades no Rio, ela enfrentava as dificuldades da vida. E não foram poucas. Em março passado, precisou se afastar da emissora para se submeter à quimioterapia venosa por causa de um câncer na bacia, descoberto havia dois anos. Meses mais tarde, a doença se espalhou para a medula e atingiu vários órgãos, chegando, por fim, ao fígado. Quando o médico me disse, quatro dias antes de ela nos deixar, em 25 de outubro, que o quadro era gravíssimo, não pensei duas vezes. Como ela nunca perdeu a fé, gravei um vídeo e postei nas redes pedindo orações, que agradeço muito. Naquele dia, já extremamente debilitada, falou comigo pela última vez. Queria que ficasse a seu lado, e eu não larguei sua mão. Mas não deu. Ela se foi aos 49 anos.
Sempre fomos grudadas, adorávamos fazer tudo juntas, o que se intensificou ainda mais depois que meu pai (o jornalista esportivo Maurício Torres) teve uma arritmia cardíaca em um voo do Rio para São Paulo, precisou ser hospitalizado e não resistiu. Morreu em um mês, devido a uma infecção, aos 43 anos. Eu era nova na época e não pude me despedir dele no CTI, como fiz agora com minha mãe. Ninguém espera enfrentar essas perdas tão cedo, mas sou grata por ter tido um tempo tão intenso e feliz com eles. Quando meu pai partiu, minha mãe já brigava com o câncer. A doença surgiu aos 18 anos. Ela venceu um linfoma de Hodgkin. Quando eu tinha 4, descobriu um tumor na mama, seguido de um na tireoide. Em 2016, soubemos de outro câncer na região da mama e, em janeiro de 2020, veio a notícia da metástase na bacia. Ela me ensinou muito. Nunca deixou de lutar. Mesmo quando estava abatida e cansada, era generosa e demonstrava alegria. Foi dela a iniciativa de postar em agosto o vídeo no qual raspei seu cabelo, que já caía. Minha mãe queria mostrar a outras pessoas na mesma situação que não estavam sozinhas.
Antes do enterro, em Santa Catarina, onde minha mãe nasceu, o velório foi aberto ao público no Rio, onde moramos. Ali tive a chance de ver quanto ela era querida, o que me deu muito conforto. Vieram pessoas de vários pontos da cidade só para agradecer as matérias que ela tinha feito, ajudando a vida delas. Outras falavam dos livros que escreveu sobre a batalha contra a doença, ou simplesmente estavam lá porque admiravam seu estilo na frente das câmeras. Minha mãe se sentia realizada fazendo o RJTV Móvel, um quadro no telejornal carioca em que mostrava situações de abandono e cobrava solução das autoridades, sempre animada e com bom humor. Já apareceu descendo num carrinho de rolimã por uma rua esburacada, andando de charrete onde não havia transporte e até com uma melancia no pescoço para chamar atenção. Não fazia isso de forma forçada, era natural.
Ela me fazia rir o tempo todo. Na pandemia, cheguei a ajudá-la a gravar em casa uma matéria sobre a tensão pré-Enem. Roubou todos os meus chocolates para aparecer comendo no vídeo. Nesse último ano, a gente contou com o apoio da família, em especial da minha avó materna, que vive no Sul e ficou na nossa casa. Ainda não sei se continuarei no Rio, mas quero acabar o ensino médio na escola onde sempre estudei, vivendo com minha avó. Como muita gente da minha idade, estou indecisa em relação à escolha no Enem. Não sei se tento medicina, direito ou jornalismo, seguindo os passos dos meus pais. Seja qual for a escolha, os dois já me deram grandes lições, que carrego comigo. Apesar de tudo isso não ser nada fácil, minha maior escolha mesmo é ser feliz como a minha mãe.
Julia Naspolini em depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 16 de novembro de 2022, edição nº 2815