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Dia de Cosme e Damião: o martírio e o sincretismo dos santos populares

A devoção aos santos gêmeos resiste no Brasil. Data comemora os protetores dos médicos e das crianças

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 set 2023, 15h19 - Publicado em 27 set 2023, 14h26
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  • A festa é boa. Tem doces, danças, comidas e travessuras. Os festejos em homenagem a Cosme e Damião se tornaram parte do imaginário cultural do Brasil, transmitindo as tradições católicas e afro-brasileiras por séculos. O costume do culto aos santos gêmeos teria chegado por aqui cedo, com os primeiros portugueses, que lhe renderam devoção com o templo mais antigo do país, a Igreja de Igarassu, em Pernambuco. De lá para cá, a data se transformou em uma mistura verdadeiramente brasileira, sendo adotada também pelos terreiros de umbanda e candomblé, onde é comemorada no dia 27 de setembro. Já na Igreja católica a celebração acontece no dia anterior, 26. 

    “A popularidade de Cosme e Damião está ligada a duas coisas: ao catolicismo popular, que se desenvolveu às margens da própria igreja e permitiu uma série de ‘encruzilhadas de fé’. E a relação dos santos com a infância e a saúde, que os torna mais afetuosos para os fiéis”, diz Luiz Antônio Simas, historiador e autor de diversos livros sobre religiosidade e cultura popular. 

    Na tradição cristã, os santos gêmeos que viviam na Síria, tratavam dos enfermos e curavam as doenças sem pedir nada em troca. Por meio do altruísmo e do cuidado, divulgavam os ensinamentos de Cristo. O contexto, no entanto, era pouco favorável ao cristianismo. Por esse motivo, acabaram executados pelo imperador romano Diocleciano, por volta do ano 300 d.C. 

    O suplício dos irmãos é narrado pela Legenda Áurea, segundo a qual teriam sido condenados a fogueira, de onde saíram ilesos. Então, foram enviados à lapidação, mas as pedras se voltaram contra os algozes. Após mais uma tentativa de assassinato por flechas, que não teve efeito, os santos teriam sido finalmente decapitados. O martírio em nome de Cristo os teria santificado.

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    Distribuição de doces faz parte da tradição, mas sofre preconceitos – (Reprodução/Twitter)
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    A associação com as crianças se aprofundou nas religiões de matriz africana, no século XIX, onde são relacionados aos Ibejis e aos Erês. A palavra Erê vem do Iorubá e significa brincadeira. “Na umbanda, os Erês são entidades que, apesar dos trejeitos inocentes e infantis, teriam um grande poder de purificação”, diz Reginaldo Prandi, professor da Universidade de São Paulo e pesquisador das sacralidades africanas. “Eles agem na energia dos Orixás e são importantes auxiliares no desenvolvimento espiritual dos iniciados”. 

    Já os Ibejis são considerados Orixás. Eles representam a pureza e a alegria e seriam encarregados da proteção dos bebês e crianças. Os Ibejis são divindades gêmeas e representam a dualidade da vida. Eles estão relacionados aos começos, à beleza, a inocência e aos nascimentos. O culto aos Orixás gêmeos é antigo, com registros do século V, na África, onde lhes era atribuído o poder de curar doenças e dar filhos às mulheres estéreis. 

    Na umbanda há mais um irmão, chamado Doum, que embora seja incluído como parte da família dos Ibejis, é considerado “aquele que não veio”. Por esse motivo, a presença de Doum serviria de consolo quando uma criança morre ainda bebê ou durante a gestação. 

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    Nos terreiros, o dia de Cosme e Damião é festejado com balas, refrigerantes, bolos, mel e frutas, para agradar os paladares infantis açucarados. Também são servidos carurus e outras comidas típicas, além dos tradicionais saquinhos cheios de doces, oferecidos como agradecimento às graças concedidas pelos santos. “Os Orixás recebem a comida que eles gostam, mas que também é apreciada pelo terreiro e pela vizinhança. É uma festa gregária, uma celebração do coletivo”, sintetiza Prandi. 

    Apesar do significado profundo da festa para o imaginário popular brasileiro, alguns devotos notam um certo declínio das tradições ligadas aos festejos de Cosme e Damião. Simas e Prandi atribuem esse fenômeno ao avanço das religiões evangélicas, sobretudo das igrejas neopentecostais. “Existe um certo fundamentalismo religioso de algumas igrejas que demonizam o ato de receber doces, demonizam os santos e a espiritualidade da infância. Isso tem um impacto enorme sobre essa cultura”, afirma Simas. 

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