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Conheça Manoel dos Sinos, o último sineiro do Rio de Janeiro

Com 45 anos de profissão, Manoel tornou-se símbolo de um ofício em extinção

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 set 2023, 15h21 - Publicado em 6 set 2023, 13h33

Na bela manhã do primeiro domingo depois da Páscoa, em 1467, um recém-nascido foi deixado na catedral de Notre-Dame, na França. O bebê, que não tinha a melhor das aparências, logo atraiu a curiosidade dos passantes, até que o padre Claude Frollo decidiu adotá-lo, batizando-o de Quasímodo. O tempo passou e o bebê corcunda se tornou um jovem feio que quase não saía da catedral onde foi criado e se tornou sineiro oficial. Tão alto era o ribombar dos sinos que ensurdeceu o pobre corcunda de Notre-Dame, cuja história foi escrita por Victor Hugo e publicada pela primeira vez em 1831. As desventuras do sineiro apaixonado já viraram filme, peças de teatro e até animação da Disney. 

Embora Quasímodo possa ter sido o único sineiro a atingir o estrelato mundial, podemos especular que, se a história se passasse no Rio de Janeiro, o jovem corcunda de Notre-Dame poderia ter um colega de peso: Manoel dos Sinos, o último sineiro carioca. O título não deixa de ser triste, retratando a morte de uma profissão milenar na cidade mais famosa do Brasil. No entanto, a escassez transforma quase tudo que Manoel toca em legado.

Praticamente todos os templos católicos do Centro do Rio já receberam seus cuidados, mas não só. O experiente sineiro garantiu que já esteve por igrejas em todas as regiões do Brasil. Das grandes catedrais, como a enorme Basílica de Aparecida do Norte, às pequenas capelas. Se tem um sino e um convite, Manoel estará lá. “São muitos trabalhos. Eu não sei mais precisar em quantas igrejas já trabalhei”, disse o veterano em entrevista à VEJA. “Mas até hoje sou eu que cuido dos sinos da minha primeira igreja, a Paróquia Nossa Senhora da Conceição e São José, em Engenho de Dentro.”

O ofício, que exerce há 45 anos, desde que tinha apenas 15, lhe parecia inescapável. Começou antes mesmo de Manoel nascer, do outro lado do Atlântico. Seu bisavô tinha uma fundição de sinos em Portugal, o conhecimento passou de geração em geração até chegar, por meio do pai, em Manoel, que foi aprendendo a complexa linguagem que permeia esse universo. “Os sinos são como instrumentos musicais, e cada evento pede um tipo de toque específico”, explica. Incorporados ao cristianismo nos séculos 6 e 7, são eles que marcam a passagem do tempo, anunciam as missas e dão início às datas religiosas. 

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Antes do advento do rádio, da televisão e dos onipresentes smartphones, eram eles que traziam as notícias. Os toques graves já serviram para alertar incêndios e invasões e também anunciaram mortes, casamentos e batismos, cada um com um toque específico, com partituras que tendem ao infinito, cujas sutilezas eram interpretadas pelos habitantes das cidades, que aprendiam a ler os sons como lemos os jornais.

A importância é tanta que os velhos campanários têm até mesmo nomes próprios. Os tocados por Quasímodo em Notre-Dame, por exemplo, atendem pela alcunha de Marie e Jacqueline. Antes de se tornarem porta-vozes da vida ao redor, eles também são batizados oficialmente, com todos os ritos católicos, água benta inclusa. Em 2009, o ofício de sineiro foi considerado patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), embora o ofício seja hoje muito menos popular do que já foi no passado.

Apesar de não ter concorrência atualmente, Manoel ainda acredita no futuro da profissão. “Agora estou tentando ensinar para o meu filho”, diz. O sineiro chegou a ensaiar uma fuga breve do ofício, atuou por cerca de um ano como professor de história. Mas o ribombar dos sinos foi alto o suficiente para trazê-lo de volta, misturando os artefatos antigos, a grande maioria com mais de um século, com modernos sistemas de automação. E, se depender dele, essa história de amor que já dura gerações tem alguns bons anos pela frente. “Eu quero mexer com sino até quando eu aguentar. Vou ficar velhinho fazendo isso”. 

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