“Eu não me canso da cor azul.” A frase é de Vincent van Gogh (1853-1890). E ainda bem que tenha sido assim, porque algumas das maravilhas que brotaram das telas do gênio impressionista têm no uso magnífico da tonalidade parte de sua beleza. Outro mestre holandês, o barroco Johannes Vermeer (1632-1675) gostava tanto dos tons azulados que quase levou sua família à falência quando decidiu comprar o então caríssimo pigmento “azul ultramar”. Na obra A dança, o francês Henri Matisse (1869-1954) limitou a paleta a três pigmentos: o azul, o laranja e o verde. O azul domina o quadro, como um céu a envolver os corpos em movimento. Pablo Picasso (1881-1973) também enamorou-se da tonalidade. Entre 1901 e 1904, passou pela fase azul, marcada por obras sombrias e monocromáticas. Para o espanhol, o pigmento representava tristeza, bem diferente da visão do neodadaísta francês Yves Klein (1928-1962), criador do Klein Blue (IKB), em 1956. O artista via no azul a transcendência dos aspectos abstratos da natureza tangível e visível, como o céu e o mar. O azul, argumentava Yves Klein, seria a mais imaterial das cores.
Agora, o matiz ressurge como símbolo de renascimento, abertura e criatividade no mundo que começa a sair da pandemia. Ele foi escolhido a cor do ano pela Pantone, empresa que é referência mundial para gráficas, na versão chamada de Very Peri 17-3938 e definida da seguinte maneira: “Apresenta uma atitude despreocupada e uma curiosidade instigante, que anima o nosso espírito criativo”. Em 1999, a Pantone já havia indicado o caminho ao lançar o azul cerúleo, de céu, como a cor do milênio e a tonalidade do futuro. Parece ter acertado em cheio.
O universo da beleza, especialmente o da maquiagem, abraçou a tendência sem censura. Marcas como a francesa Givenchy e a canadense M.A.C., por exemplo, acabam de lançar batons azuis. No Brasil, O Boticário apostou nas sombras com os produtos da linha Intense by Manu Gavassi. Protagonista em desfiles internacionais como os das grifes Yves Saint Laurent, Gucci e Dion Lee, o pigmento vem sendo usado com certo ar de provocação, no avesso de sua imagem tradicional, associada a tranquilidade, serenidade e harmonia. “A utilização do azul na maquiagem é bem contraditória porque ele não é uma cor que combine com pele”, diz o maquiador Daniel Hernandez, que tem entre clientes Isabeli Fontana, Sabrina Sato e Naomi Campbell. Por ser uma cor fria, a paleta contrasta com os tons quentes da cútis. Contudo, o propósito é este mesmo: produzir ruído, algum desconforto.
O azul atrelado à sombra ao redor dos olhos oferece dramaticidade ao rosto. Pode ser aplicada com pincel, esfumada ou adornada com pedrinhas brilhantes. A recomendação de quem entende dos pincéis é deixar o pigmento restrito a uma área do rosto, evitando exageros. A maquiagem dispensa o blush. Máscara de cílios, ao contrário, está liberada. Vale também a pintura de unhas. O fundamental é não ter medo de ousar, com alguma parcimônia, de mãos dadas com a cor da hora. Ou, como escreveu Clarice Lispector, logo depois de Gagarin nos informar que nosso planeta é da cor da ágata: “Para vermos o azul, olhamos para o céu. A Terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul”.
Publicado em VEJA de 30 de março de 2022, edição nº 2782