A moda é cíclica. As novidades e tendências de hoje são baseadas em referências do passado, repaginadas para os gostos atuais. Nas redes sociais, os ares de outrora têm soprado com insistência. Pipocam looks com alusões aos anos 1980, 1990 e 2000, inspirados em séries e filmes que aparecem em recortes de vídeos, sobretudo no TikTok e no Instagram. Uma pergunta não quer calar: por que há o eterno retorno em ondas que afetam a maneira de vestir, os hábitos cotidianos e os gostos culturais? “Existe uma necessidade crescente do conhecido, alimento para a nostalgia”, diz Antonio Rabadan, coordenador do núcleo de Fashion Business da ESPM. “Com tanta incerteza global, muitas peças retornam carregando consigo memória afetiva e oferecendo uma sensação de conforto e familiaridade.” É o estilo como manifesto de um tempo.
As peças da vez estão nas cabeças e nos pés: são lenços, sapatilhas e mocassins que espelham a busca pelo encontro do conforto no passado. Uma das fontes preferenciais de inspiração é a atriz Audrey Hepburn (1929-1993), a “bonequinha de luxo”. Conhecida por seu estilo impecável dentro e fora das telas, ela transformou a peça de seda ou lã amarrada sob o queixo em marca registrada. O acessório foi usado até mesmo na cerimônia de seu segundo casamento, com o psiquiatra italiano Andrea Dotti, em 1969. Depois dela, a francesa Brigitte Bardot, que acaba de completar 90 anos, também foi fotografada em diversas ocasiões com os cabelos cobertos. Embora tenha séculos de história, tendo sido usado por monarcas, como a rainha Elizabeth II, foi na época de ouro do cinema, entre os anos 1940 e 1960, que o lenço se tornou ainda mais popular e cobiçado.
Revisitando o acessório, Beyoncé adotou o look retrô enquanto velejava na chique região dos Hamptons, no estado de Nova York, combinando-o com um vestido fresco. Hailey Bieber, uma das maiores entusiastas do estilo, apresentou possibilidades surpreendentes ao usá-lo como adereço a um belo vestido Jacquemus transparente ou em uma composição ainda mais moderna, com um boné. Rihanna, que nunca perde a chance de marcar presença, também tratou de mesclar os lindos olhos e lábios carnudos a uma estampa dourada.
O segredo da sobrevivência do que vem lá de trás é um só: versatilidade. O lenço funciona em uma infinidade de circunstâncias, seja em passeios no campo, seja em metrópoles ou em um delicioso dia à beira-mar. É símbolo de elegância atemporal que remete à era do glamour e a cartões-postais icônicos, como Monte Carlo e Saint-Tropez, eternizados no cinema.
Pode soar como saudosismo, e é isso mesmo. Trata-se de marcar os passos de um tempo supostamente mais feliz e seguro, ainda que nem sempre tenha sido assim. O mundo não era necessariamente melhor. Mas, olhando pelo retrovisor, era mais refinado. O gesto comum, portanto, é o de recuperar o que foi para as gavetas, trancado em armários, mas que ganha contornos renovados ao sair das caixas. E bem-vindos, para além dos panos a cobrir as cucas, as sapatilhas e os mocassins. Recentemente, a atriz Zendaya despontou com modelitos de verão do Hemisfério Norte, a bordo de regatas básicas com saias assimétricas e calças baggy de alfaiataria. E, claro, uma bela sapatilha escolhida para amenizar as altas temperaturas. Como tudo que ela veste se torna tendência, as versões clássicas, sem estampas e com fivelas grossas na parte superior dos pés, passaram a ser copiadas por fãs.
A mensagem é clara: o futuro da moda será sempre a nostalgia, como porto seguro e pedra fundamental. Os clássicos não morrem. Revisitados, contam uma história, representam um bom atalho. Some-se a esse movimento natural — aquela piscadela para trás — o marketing do que passou. Ele brilha nas roupas, mas também nos jogos eletrônicos e nas séries de televisão. Representam um lugar de tranquilidade, de mãos dadas ao que já não dói mais e virou apenas saudade. Ir e vir, e às favas o que é tratado como a novidade do momento, é um jeito de ser. O italiano Gianni Versace ensinou, ao deixar andar a recuperação de linhas de ontem como se tivessem nascido agorinha mesmo: “Não goste de tendências. Não deixe a moda te dominar, você decide quem é, o que quer expressar pela maneira como se veste e pela maneira como vive”. Trata-se, tudo somado, de recuperar o pretérito como quem segue em frente, a nostalgia como remédio. Experimente.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913