Embora esteja constantemente nas passarelas e em campanhas publicitárias, sempre fui reservada em relação a minha vida pessoal. Mas com o tempo decidi que seria importante tornar pública uma parte da minha história, para inspirar pessoas que enfrentam condições parecidas. Tenho um filho com transtorno do espectro autista e resolvi participar neste ano da campanha “Real love”, promovida pela marca de lingerie Victoria’s Secret, que fala sobre as diversas formas de amar. Em um vídeo veiculado mundialmente, apareço interagindo com Alexandre, que está com 14 anos. Ainda há muito preconceito e desinformação em torno dessa questão e eu sei quanto é difícil lidar com ela. Apesar de todos os desafios que o Alexandre tem de superar, posso afirmar que, hoje, sou eu quem aprende com ele todos os dias.
Recebi o diagnóstico tardiamente, quando meu filho tinha 5 anos e ele e minha mãe foram morar comigo em Nova York, para onde havia me mudado em 2009. Mal comecei a trabalhar, eu vivia no eixo Nova York-Londres-Milão-Paris. Vinha ao Brasil mais ou menos a cada três meses e ficava só uma semana. Nem eu nem ninguém havia notado até então que o Alexandre podia ser diferente das outras crianças. Quando passamos a morar juntos, a primeira coisa que me chamou atenção no seu comportamento foi o fato de confundir o mundo real com o da fantasia. Muitas vezes, vendo desenhos, mergulhando na piscina, ele criava universos paralelos e agia como se fossem de verdade. Quando soube que essa conduta se encaixava no espectro autista, fiquei em choque, me desesperei. Não sabia nada sobre essa condição e precisei sair em busca de reportagens, médicos e terapias. Descobri que nenhum caso é igual a outro, tanto que o símbolo do transtorno é um quebra-cabeça, no qual a gente vai desvendando as particularidades e necessidades de cada um.
Alexandre se relaciona com as outras pessoas e se comunica bem. Às vezes, fala até demais. Mas tudo com ele é literal e simples, sim ou não. Como muitos jovens em condições parecidas, tem aversão a certas texturas, como areia de praia, e ânsia quando prova alguns alimentos, como ovo. Também se sente incomodado em ambientes cheios e barulhentos. No meu casamento (com Joakim Noah, ex-jogador da NBA e embaixador do Chicago Bulls), em julho, no Brasil, participou da cerimônia, mas ficou pouco tempo na festa. O seu jeito às vezes chama atenção e já enfrentamos olhares atravessados e comentários maldosos. Isso incomoda, claro, mas sei que existe grande ignorância sobre o assunto. Alexandre também foi vítima de bullying em uma escola tradicional e agora frequenta uma instituição especializada em Miami, onde fomos morar durante a pandemia para dar mais espaço à família.
Toda essa experiência me levou a criar uma fundação voltada para a área da saúde mental, que está no momento saindo do papel. Ela terá um braço forte na educação e outro na sustentabilidade. Fui mãe muito cedo, aos 18 anos. Tinha planos de ser enfermeira, mas minha vida mudou completamente quando participei de um concurso de modelos em São Paulo. De uma hora para outra, aquela menina simples, alta e magra (1,84 metro e 66 quilos) de Miguel Alves, interior do Piauí, estava desfilando para marcas como Dior, Jean-Paul Gaultier e Donna Karan. Cheguei a dividir um apartamento de um banheiro com dezessete garotas em São Paulo no início da carreira, mas consegui fazer meu nome nesse universo super-restrito. Hoje, concilio a carreira com os cuidados com o Alexandre. Meu filho, a pessoa mais pura e verdadeira que conheço, é minha maior inspiração. O diferente precisa ser entendido e respeitado.
Lais Ribeiro em depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801