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A receita sem padrões de Hugo Merchan para o homem moderno

O influenciador discute novos padrões de masculinidade em suas redes sociais e mantém um podcast dedicado ao tema ao lado de Victor Fernandes

Por Marilia Monitchele
10 fev 2023, 11h05

Em 1987, Gilberto Gil participou do tradicional programa Roda Viva, exibido na TV Cultura. Entre rodopios de uma cadeira giratória, o cantor respondia questionamentos diversos sobre sua vida, obra, posicionamentos políticos e tudo mais que passasse na cabeça dos jornalistas ao seu redor. Gil também era inquirido pelo público, que mandava perguntas por telefone. E foi justamente de um telespectador, que veio uma pergunta um tanto quanto indelicada. O questionamento, traduzido na voz do mediador do programa, era: “Por que você e Caetano [Veloso] têm um lado afeminado tão aflorado? Hoje, como homem público, você não deveria ter uma postura mais decente do que a que tem?”

Gil parece desagradado com a pergunta. Ri constrangido antes de ensaiar algumas palavras. O mediador tenta justificar dizendo que talvez ele tenha estranhado a roupa do cantor, que usa uma bata com corte amplo, uma calça que lembra bombachas gaúchas, alguns detalhes em verde neon e um mocassim dourado. Gil também tem gestos delicados para se expressar, movimenta as mãos e rosto num sereno balé, e quase sempre se comunica de forma tranquila, como se selecionasse as palavras. Além disso tudo, Gil é artista e tropicalista, o que em 1987 poderia não contribuir tanto para suas credenciais de macho-alfa.

O debate que se instala ali é algo que nos parece relativamente comum hoje, embora menos do que muitos gostariam. Estamos falando de masculinidade. Gil não desvia. Reconhece algum aspecto de feminino em si, embora recuse o adjetivo “afeminado”, e não acredita que isso seja um demérito a sua masculinidade. Em outras palavras, Gil defendia a possibilidade de muitas formas de ser homem.

A defesa de masculinidades múltiplas de Gilberto Gil ecoa, quase 36 anos depois, no ex-MasterChef Hugo Merchan. A estranheza causada pela roupa de Gil talvez também se repita em Hugo. Recentemente, o influenciador ensinou uma receita de Pink Lemonade para seus 330 mil seguidores no Instagram. O que chamou a atenção, no entanto, não foi a bebida, mas o “look”: uma blusa de botões rosa choque com babados nas mangas, combinada com brinco dourado em forma de drink cravejado de brilhos. Hugo, assim como Gil disse em sua resposta, nunca foi o padrão. E depois de muito tentar se encaixar nas normas, fez as pazes consigo mesmo. Hoje, ele usa suas redes para compartilhar receitas, naturalmente, mas também debate temas ligados às masculinidades. O ex-cirurgião dentista apresenta até um podcast sobre o assunto, “Mano, me ouve”, feito em parceria com Victor Fernandes.

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Espaços como os que Hugo tenta criar são necessários e evidenciam os aspectos negativos do machismo, inclusive para os homens. Enquanto mulheres falam sobre as consequências do patriarcado, poucos do público masculino discutem abertamente o efeito nocivo de terem sido criados para adotar determinados estereótipos de masculinidade. Para Hugo, a relação entre as duas coisas é evidente. “Eu acho que tem tudo a ver a relação entre a discussão das masculinidades associada ao feminismo. No sentido de que para você pensar a masculinidade você tem que entender o quanto o modelo que nos foi ensinado desde sempre é prejudicial e tóxico. Então ele é machista, necessariamente. A gente cresce e vive em uma sociedade machista”, diz ele.

A incitação a esse tipo de debate em uma rede que era quase exclusivamente usada para reverberar sua participação num dos programas de culinária mais populares do Brasil e sua expertise na cozinha causaram estranheza em muitos seguidores, mas também acolhimento. Hugo salienta que sua relação com a também cozinheira e ex-MasterChef Irina Cordeiro causavam curiosidade. “Acabava que eu sempre recebia feedbacks do tipo:’Ah, você é um cara tão legal. O jeito que você trata a Irina é diferente. Fala mais sobre isso’. Daí eu fui percebendo que as pessoas não me seguiam só pelas minhas receitas, mas também pela minha maneira de me portar e me posicionar no mundo. E mesmo quando eu não falava sobre esse assunto especificamente, eu já estava ali representando alguma coisa”. Ele acredita que essa representatividade passava pelo fato de ele não poder ser caracterizado como o padrão do homem heteronormativo, o conhecido machão.

Em um momento em que as mulheres estão cada vez mais treinadas para identificar o machismo e que o tema é constantemente discutido em diversas mídias (vide o caso recente do Gabriel Fop no BBB), Hugo defende que os homens se eduquem. É preciso naturalizar os papeis que podem – e devem – ser desempenhados. A ideia de um homem exclusivamente provedor, que não compartilha os cuidados e afetos, não dialoga e não expõe suas fragilidades precisa ser substituída por outras referências. “Esse é um movimento que muitos caras acham que é prejudicial, mas não é. É muito benéfico. Tem estatísticas que mostram que a gente não tá sendo bom pra gente nem pros outros. Então, a partir do momento que a gente se analisa e se observa, vamos ser melhores para a gente e para outras pessoas. Seremos menos violentos, vamos ter uma qualidade de vida melhor, vamos nos cuidar mais, vamos ter trocas mais verdadeiras e honestas. A gente foi ensinado a ser solitário, e não precisa ser assim. Então esse movimento é muito melhor para todo mundo”, sintetiza. O influenciador, que já se mostrou um ótimo cozinheiro, parece ter descoberto sua receita preferida: aquela que combate a masculinidade tóxica.

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