Não penso mais no futuro como antes. Hoje, minha energia está concentrada no tempo presente, no que estou vivendo agora. A doença provocou uma revolução em mim. Foram dois anos de momentos terríveis, sem entender o que estava acontecendo comigo, com o meu corpo. Cheguei a um ponto, no auge das crises, em que só conseguia chorar e rezar. Depois de uma peregrinação por doze médicos, de endocrinologistas e clínicos a psiquiatras, finalmente veio o diagnóstico, em novembro de 2021: esclerose múltipla — uma doença neurológica autoimune e degenerativa. No meu caso, ela provavelmente foi causada pelo vírus Epstein-Barr (o EBV, da mesma família da herpes), identificado havia um mês e que já se sabe ser desencadeador de vários males. Tive medo, pânico, e ficava me perguntando: “Como assim, não tem cura? Não vou ficar boa?”. Por mais duro que seja atravessar isso tudo, a doença deu um novo significado à minha vida.
Os primeiros sinais de que algo não ia bem apareceram no fim de 2019. Estava na Itália para assistir ao Festival de Cinema de Veneza e, enquanto andava na rua, às vezes me batia uma exaustão descomunal. Era esquisito. Precisava ir no ato para o hotel e deitar. No início do ano seguinte, eu e meu marido (um empresário britânico) decidimos viajar em uma segunda lua de mel, para o Sri Lanka. Lá, voltou aquela sensação de que meu corpo não respondia. Como na ocasião peguei Covid-19, achei que estava relacionado a isso. Mas, já curada e em Los Angeles, onde vivo há dezesseis anos, os sintomas se acentuaram. Do nada, sentia tontura, meus pés e mãos se punham dormentes, meu corpo parecia que ia falhando, falhando, e vinha um apagão. Quase desmaiei um dia ao volante no meio da autoestrada. Pelo menos outras quatro vezes perdi os sentidos e fui socorrida por uma ambulância. Deixei de sair sozinha até para levar os cachorros na calçada na frente de casa.
Ao chegar ao hospital ou ir ao médico, era sempre a mesma história: todos os meus exames estavam perfeitos — e atribuíam o meu mal-estar a ataques de pânico e ansiedade. A essa altura decidi investir em algo que me fez muito bem. Passei uma semana em um retiro espiritual no Brasil, experiência que resolvi inclusive transformar em documentário. Saí muito mais forte mental e emocionalmente, mas meu corpo voltou a piorar. Tinha dores musculares, problemas de visão, perda de memória e, ainda mais assustador, a fala não acompanhava o raciocínio. Resolvi falar abertamente da minha doença porque ainda paira uma grande desinformação sobre a esclerose múltipla e o vírus EBV. Eu mesma fui vítima dessa falta de conhecimento.
Atualmente em tratamento, não apresento mais sintomas. Eles estão controlados e acredito que, com o avanço da ciência, seja possível frear a doença. Desde que descobri o que tinha sigo rigorosamente um protocolo alimentar: cortei, entre outros, carne, glúten, álcool e cafeína. Também recebo duas vezes por mês uma suplementação vitamínica intravenosa, para fortalecer o sistema imunológico. Voltei a ter uma rotina normal e, vivendo um dia de cada vez, mantenho vários projetos no horizonte. Embora tenha ficado mais conhecida no Brasil como atriz, sobretudo na época em que fiz Malhação, comecei do zero nos Estados Unidos. Descobri ali um imenso prazer em atuar nos bastidores, montei uma produtora e planejo dirigir um longa. Sempre fui workaholic, o ofício me definia, mas, nos momentos de desespero que enfrentei, só pensava na família, nos amigos, e não no trabalho. Eu me sinto uma pessoa melhor em vários aspectos da vida. A doença teve em mim aquele efeito, de empregar o tempo no que importa de verdade. Curiosamente, hoje sou mais feliz.
Ludmila Dayer em depoimento dado a Sofia Cerqueira
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811