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Walcyr Carrasco

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O que realmente importa

Em vez da existência ilusória da internet, é melhor viver o presente

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h33 - Publicado em 23 out 2022, 08h00
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  • A internet transformou nossas vidas em um grande ato de imaginação. Eu abro o Instagram e contemplo a felicidade em mil sorrisos, de mil maneiras. A fronteira entre a vida real e a imaginária acabou, com preferência para a imaginária. Sonhar era uma palavra romântica. Hoje, quando alguém me diz que tem um sonho, já me arrepio. Logo em seguida vou descobrir que a pessoa quer ser famosa, virar estrela de televisão. E que conta comigo para isso, ai de mim! Explico que não dedico minha vida particular a garimpar futuros famosos. Mas a ler, ver televisão, ir a churrascos e até a falar mal da vida alheia. Indico os passos — bem difíceis — que a pessoa deve dar. Mas ela não quer ouvir isso. Esperava que eu a olhasse e no ato descobrisse a imensidão do talento que se abriga por trás dos olhinhos que me encaram raivosos, odiando cada conselho. Há pessoas que sonham simplesmente em ganhar na Mega-­Sena, fazem o joguinho semanal. Ou as mais modestas, para quem um emprego de salário garantido já seria suficiente. Mas todos são sonhos, não projetos que, estes sim, mereceriam esforço, estudo, enfim… tudo que é preciso para acontecer.

    “Quando alguém se aproxima de mim pedindo uma oportunidade, não quer ser atriz ou ator, mas famoso”

    Uma vez, em uma fila de autógrafos, uma senhora perto dos 80 anos aproximou-se e pediu uma oportunidade como atriz. Nunca tinha trabalhado com arte, mas quando jovem diziam que era linda e devia ser atriz. Maravilhoso ter sonhos em idade avançada. Mas são sonhos? Quando alguém se aproxima de mim pedindo uma oportunidade, não quer realmente ser atriz ou ator. Mas ser alguém famoso. Senão, montaria uma peça com um grupo de amigos, se divertiria no palco e tudo bem. Mas sonhos assim, guardados num potinho, azedam. Muita gente está ancorada em uma vida imaginária. Um desejo de reencarnação nesta vida mesmo, inspirada na propaganda e na internet.

    Muita gente vai achar horrível o que estou dizendo. Então a pessoa não tem direito de sonhar? Tem, sim. Mas uma vida imaginária, que poderia ser mas não é, ano após ano? Não desejo a ninguém. Simplesmente porque nos tira do momento presente. Eu lembro de um amigo que, cada vez que se sentava para comer, comentava: “Está bom, mas se botassem isso ou aquilo, ficava melhor”. Eu perguntava: “Por que você não desfruta o prato, sem pensar em outro que não está aí?”. Para muita gente, a vida na prática corre bem, com metas alcançadas, amores, família. Mas chega-se à maturidade e velhice com vontades de adolescente. Tudo bem, há casos em que a pessoa realmente inicia uma nova faculdade, desfaz o casamento, dá uma boa e saudável reviravolta na vida. Mas a maioria sente-se injustiçada, porque não aconteceu alguma coisa desejada.

    O passar dos anos desmascara os sonhos. Fica-se com a vida que nos deu alegrias, tristezas — que foi, enfim, nossa! Assim como o prato diante do meu amigo, que ele não conseguia desfrutar. Não conseguia estar de fato no momento presente, desfrutando o que havia, não o que poderia ser.

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    O segredo não é imaginar outra vida. O que realmente importa é a vida que a gente tem.

    Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812

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