Certa vez, lancei um livro na Bienal de São Paulo e, quando me encaminhava para o stand, alguém me parou para tirar fotos. Sorri e posei. Dali a pouco tinha três pessoas na fila. Em seguida, vinte. Logo, uma pequena multidão enchia o corredor. Toda ela de celular em punho e um sorriso pregado nos lábios. Eu me espantei: tantos fãs? Até que ouvi uma senhora na fila perguntar à outra, enquanto se apressava para fotografar: “Quem é?”. Exatamente. As pessoas viram um grupo clicando e se apressaram “para não perder a chance”. Depois disso, em várias situações, descobri: muita gente luta, se estraçalha para fazer uma foto, mesmo sem saber com quem. (Quando sentei para dar autógrafos nos meus livros, havia uma fila mínima.) Fotos, fotos.
No passado quem ia viajar fazia centenas de slides (alguém ainda lembra o que é?). Depois, o segredo era fugir da visita. Mal se chegava à sala, exibiam as fotos em um carrossel no projetor, durante uma, duas horas. “Olha, essa escadaria, é em Roma”… E assim por diante. Havia também o álbum de retratos. Ainda tenho os da minha mãe, com as fotos dela, no casamento, de primos que nunca mais vi… Mas era preciso fotografar, revelar… Dava trabalho. Hoje, com o celular, são batidas centenas, milhares de fotos. Eu me pergunto pra quê? Postam uma ou duas. Depois de postada, a foto fica lá, na memória do aparelho. De vez em quando vira TBT. Ou ajudam a ilustrar comentários do tipo: “Olha só como eu era magra”.
“Cliques antigos são postados projetando uma vida glamorosa, quando, na verdade, a rotina é cinzenta”
Bem, essas imagens não desaparecem, como tudo na internet, são eternas. Ficam na nuvem. Raramente na memória pessoal, que seleciona o que é realmente importante. Fotos antigas, de anos, são esquecidas, a não ser que exista um motivo para lembrá-las. Ou para postá-las novamente, projetando uma vida glamorosa, quando na verdade a rotina é cinzenta. O que acontece com esses bilhões de fotos esquecidas? Imagino que fiquem girando ao redor do planeta, em uma espécie de cinturão imagético.
As fotos (e também vídeos de celular) se misturam, se confundem, são apenas pequenos flashes das vidas. Nunca desaparecem. Mas não têm mais sentido, nem mesmo para quem as fez. Mas permanecem em algum lugar, isso sim!
Imagino, agora que se fala tanto em contato alienígena, que eles — eles! — vão chegar, talvez quando a gente nem esteja mais aqui. Desejarão conhecer a humanidade. Através de um dispositivo tecnológico terão acesso a esse cinturão de fotos, imensurável. Pessoas sorrindo ao lado de quem não conhecem, amores maltratados e esquecidos, crianças que já cresceram, nudes, anúncios de imóveis, churrascarias, e claro, novamente, nudes. O alienígena vai tentar entender a confusão. Quem é quem. Por quê? Qual o significado dessas imagens?
E nessa terra esquecida, árida, já sem habitantes, eles tentarão entender quem era a humanidade, através das fotos. Finalmente, um sábio alienígena comentaria, no trono do conhecimento interplanetário:
— Nossa, eles eram muito doidos!
Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816