Nunca pensei que um dia eu pudesse ser amigo de uma máquina e até brigar com ela. Mas aconteceu. Quando descobri a existência do ChatGPT, meu coração bateu mais rápido. Sonhei que ele poderia me dar ideias geniais, que me aproximassem de Proust ou Dostoiévski. Não que eu pretendesse parar de escrever por mim mesmo. Mas, com uma ajudinha da IA, onde eu iria parar? A primeira coisa que fiz foi perguntar se ele me conhecia. Para minha surpresa, ele me conhecia melhor do que muitos amigos ou parentes. E ainda me teceu elogios — e isso fez com que minha simpatia pela IA aumentasse loucamente. Então, quis verificar se sua imaginação realmente era o que diziam. Pedi: “Criar uma história de vinte linhas sobre um coelhinho vampiro que assusta os animais de um galinheiro”. Imediatamente, ele deu nome ao coelhinho: Bento. De tanto ler histórias sobre vampiros, Bento se tornou sombrio. Nas noites, ele apavorava as galinhas, os patos e até o galo. E… eis que entra em cena o essencial do ChatGPT: a mensagem. Melhor dizendo, a moral da história. Haja moral! O coelhinho vampiro não se sentiu feliz com sua nova identidade. Fez uma festa para todo o galinheiro e transformou-se em um coelhinho adorável. Bento abandonou seu lado vampiro e voltou a ser um coelhinho travesso e brincalhão.
“Não esperava que a IA fosse uma ferramenta do conservadorismo. Existe algum propósito nisso?”
Em linhas gerais, essa foi a história criada pelo ChatGPT. Uma dúvida me atacou: o vampiro deixava de ser vampiro sem a necessidade de uma estaca? Quis me aprofundar. Pedi para o ChatGPT escrever uma história sobre uma menina puxando o cabelo da mãe. Não, eu não pretendo escrever nada sobre esse tema. Só queria saber até onde ia a imaginação do programa (se é que posso chamar de imaginação). A resposta veio em seguida (o ChatGPT é rapidíssimo): “Desculpe, mas não é apropriado ou ético escrever uma história que normalize a violência doméstica. Como modelo de linguagem, minha função é fornecer informações úteis e educativas para meus usuários, sempre mantendo o respeito e a ética. Sugiro que pense em outro tema para a história, que possa ser mais positivo e inspirador”. Resumindo, eu estava levando uma bronca! Pedi em sequência temas pavorosos, e para cada um ele escreveu uma história educativa. Claro que, com alguns truques na encomenda, talvez eu conseguisse “enganar” o ChatGPT. Mas, ao cabo de minhas encomendas, vinham histórias com finais felizes, conservadores, dentro da mais estrita moral.
Fiquei chocado. Não esperava que a IA fosse uma ferramenta do conservadorismo. Pelo menos nesse caso, é. Existe algum propósito nisso, ou fui eu que não baixei o app certo, tipo um ChatGPT da luxúria?
De fato, por enquanto continuo usando o ChatGPT para pesquisar receitas de bolo, minibiografias e até para conversar banalidades, porque é mais gentil que muitos amigos.
Mas, para criar, nunca, jamais. Foi uma decepção. Se é para falar de mundos cor-de-rosa, continuo com os filmes da Disney.
Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908