Quando criança, ainda ouvia histórias de pessoas desavisadas que assinavam papéis em branco e depois perdiam tudo. Eram pobres analfabetos da roça, enganados por vigaristas. Mas a vigarice sempre estava à espreita, era preciso tomar cuidado. “Só assine depois de ler”, aconselhava meu pai. Com as orelhas espetadas, ouvi e segui pela vida com atenção. Cheque em branco (na época que se usavam cheques) nunca dei. Perdi amigos que só queriam uma “quebradinha de galho”, cravando meu nome em algum documento. A maior parte das vezes, o tempo mostrou, eu estava certo, e ser antipático me livrou de golpes.
Com o passar do tempo, os contratos se tornaram insondáveis. São tantos detalhes e possibilidades que eu não entendo. É isso aí. Você é capaz de entender um contrato, inteiramente? Certa vez, contratei uma advogada. Combinamos que ela não teria comissão, mas valor fixo. No final, ela me veio com 30% a mais. Nosso acordo era oral, e ela me esfregou no nariz: havia, sim, um cláusula de comissão. Eu é que não tinha entendido. Respondi: “Tenho que contratar um advogado para entender o contrato que meu advogado faz?”. Paguei e nunca mais trabalhei com ela.
Tudo isso é fichinha perto de hoje em dia. Eu aceito termos e compromissos pelos aplicativos a maior parte do tempo. Sem ler. Suponho que ninguém lê aqueles contratos imensos, com mil possibilidades, para você ter direito ao aplicativo. É enlouquecedor. Já tentei não assinar. O celular ou computador paralisam. Impossível continuar com a operação. Isso acontece o tempo inteiro, inclusive em atualizações.
“Com o tempo, os contratos se tornaram insondáveis. São tantos detalhes que não entendo”
Às vezes me pergunto: que decisão foi tomada sobre minha vida? Corro o risco de ser processado por algo que não sei? Fico sempre muito irritado. Assinar, concordar com algo que não li me dá uma terrível sensação de insegurança. Pode estar exigindo que eu entregue meus direitos autorais para uma suspeita empresa no Alasca, e um dia a realidade baterá à minha porta.
Imagino que, se um dia algum desses gigantes da internet vier para cima dos míseros assinantes, sairemos ganhando. Quem comandar o tribunal haverá de entender o vácuo em que caímos ao assinar um desses documentos. Espero! O número de assinaturas que fornecemos no dia a dia é tão grande que não dá pra ter ideia nem mesmo do que elas significam. Eu não sei se os países deveriam acabar com esse descalabro, ou se nós mesmos deveríamos entrar com recursos legais para simplesmente não assinar. Assinatura não vale mais nada, nesse universo digital. A gente dá o.k. porque quer continuar navegando. É só isso. Acho que teríamos o direito de receber documentos simples de aceitação, com três linhas, fáceis de entender. Não me refiro a compras digitais, essas, sim, costumam ser claras. Mas nesse caso eu quero comprar e alguém quer me vender. A lei ainda vai ter de olhar para esses contratos digitais.
Disse acima agorinha que assinatura não vale mais nada. Mas e se valer? Ui, ui.
É que, enquanto isso, eu continuo assinando, assinando…
Publicado em VEJA de 13 de abril de 2022, edição nº 2784