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A hora certa de parar

A aposentadoria não é mais a mesma coisa do passado

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 19 jun 2022, 08h00

Assisti à estreia de Milton Nascimento, em um show chamado de A Última Sessão de Música. Segundo ele próprio, o início de uma turnê de encerramento de carreira. Foi um sucesso retumbante e, espera-se, que ele não cumpra a promessa. Mas essa é uma proposta instigante: parar? Eu me pergunto: qual é a hora certa de parar? Lembro-me que há muito, muito tempo, parar e viver da aposentadoria era um sonho. Muita gente — meu pai inclusive — aposentou-se no prazo estipulado pela lei. Isso foi quando o valor da aposentadoria mantinha o padrão de vida.

Hoje, exceto para os abençoados pela lei, que mantém o salário alto, a maioria dos mortais vive às voltas com correções e correções que não fazem jus à inflação. Uma vez fui visitar uma antiga professora, que trabalhou em dois ou três empregos durante décadas. Sua aposentadoria não pagava sequer os dois dias da diarista que, aos 80 anos, ela precisava para ajudar na casa. Aposentar-se significa frequentemente procurar um novo emprego para complementar a renda.

Muita gente quer parar, mas não pode. Há quem seja forçado pelas circunstâncias. Caso comum entre cirurgiões que já não têm a mesma precisão de movimentos. Muitas profissões têm um tempo de validade, a começar pelos jogadores de futebol. Ou bailarinos. Rita Lee, que se orgulha de ter tido uma vida plena, comentou em uma antiga entrevista que há duas maneiras de envelhecer para a mulher. Uma: se tornando perua e tentando resgatar uma impossível juventude. Outra: se aliando ao tempo e se transformando numa feiticeira. E nisso está sua beleza. Sábia Rita. O interessante da velhice está justamente em aceitá-la. Não em agarrar-se à juventude como marisco na pedra.

“O interessante da velhice está em aceitá-la. Não em agarrar-se à juventude como marisco na pedra”

Surgem também novas descobertas. Talentos escondidos sob o tapete de uma vida comum e burocrática botam a cabecinha de fora. Há quem escreva um livro, se dedique a poesia, tapeçaria, culinária, ou se torne o melhor amigo das plantas. Eu, por exemplo, sempre quis ser escritor. Parar é algo que não desejo. Ainda vivo o encantamento da profissão.

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Direitos trabalhistas existem, há que respeitá-los. Mas também cresci ouvindo histórias de pessoas que sempre trabalharam reclamando. Quando, enfim, pararam, não suportaram a quietude, a paz. Definharam. A falta de estímulos pode ser irremediável como uma doença. O sonho de parar, botar os chinelos, é do passado. A feitiçaria de que fala Rita Lee é temperar o caldeirão da vida com novas ideias. Talvez o segredo de envelhecer plenamente seja não perder a curiosidade.

Filhos e netos? Bodas de ouro ou novas uniões? Mudança de casa, de lugar? Aprender uma língua, culinária, pintura, um instrumento musical? Tudo isso exige disposição. Não a mesma da juventude, mas a força dada pela experiência.

O mito da vida calma, pacífica, é simplesmente um mito. A vida é uma chama, e é preciso alimentá-la. Insisto: não existe hora de parar. Mas sempre é um bom momento para mudar.

Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794

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