Tente ler em voz alta, de primeira: Radovljica.
Ra-dov-lji-ca. Isso. Agora mais rápido.
Tente escrever a palavra você mesmo. Mas não vale copiar. Difícil?
Quando me mudei para a Eslovênia, gastei o primeiro mês praticamente para aprender esta palavra, conseguir pronunciá-la corretamente, conseguir escrevê-la sem apelar para o Google. Radovljica é a “cidade grande” mais perto do vilarejo onde moro. Tem 6 mil habitantes e é para lá que eu preciso ir toda vez que tenho de resolver alguma burocracia — que, nos primeiros meses de um imigrante, não são poucas.
É na prefeitura de Radovljica que tirei meus documentos de identificação como estrangeiro e onde foi emitida minha carteira de motorista eslovena. É no tabelião de Radovljica que está registrado meu imóvel aqui. É em Radovljica que todos os anos preciso renovar o seguro obrigatório de meu carro. E assim por diante.
Corta para um ano antes. Início de 2018, eu vivia em Paderno Dugnano, uma cidade na região metropolitana de Milão, na Itália. Por semelhantes motivos — ah, a vida de um gringo imigrante… —, as idas à prefeitura também eram recorrentes.
Certa vez, a simpática atendente Giulia precisava que minha mulher e eu preenchêssemos um formulário. Basicamente tínhamos de escrever, de próprio punho, nossos nomes completos, data e cidade de nascimento. Acho que só isso. De posse de nossos documentos, a gentil Giulia orientou. Dirigindo-se primeiro à Mariana:
– Aqui a senhora escreve seu nome. Pronto. E aqui, a data de nascimento. Isso. Agora aqui escreve São Paulo.
Chegou a minha vez:
– Senhor Edison, seu nome aqui, por favor. Sua data de nascimento, aqui. Pronto. E aqui, er, Taqua… Er… Taquori… Er… Aqui por favor o senhor escreve questa roba strana onde nasceu!
Não sei quantas vezes escrevi Taquarituba em documentos estrangeiros
Saudoso de minha Taquarituba natal — a nostalgia costuma doer maior quando há um Atlântico inundando em salmoura as raízes —, fiquei um pouco chateado, confesso. Mas não ia discutir com a funcionária pública italiana, até porque precisava muito dos préstimos e da paciência dela. Caprichei na caligrafia para que, ao menos, questa roba strana ficasse bonita aos olhos cansados da burocracia municipal.
Não sei quantas vezes escrevi Taquarituba em documentos estrangeiros. Sinto como se espalhasse, mais do que o nome de minha terra, uma expressão indígena, esses fragmentos de nheengatu que se eternizaram na toponímia. Não sei quantas vezes a Giulia precisou, ela própria, escrever Taquarituba, tampouco se com o passar do tempo ela passou a ver beleza, ainda que uma beleza pungente, em questa roba strana. Acho pouco provável que, seis anos depois, ela ainda se lembre de Taquarituba, todavia.
Mas eu me lembro da Giulia e desta história todas as vezes que algum funcionário público de Radovljica precisa digitar o nome de minha cidade natal. Pois se para um brasileiro é difícil soletrar Radovljica, o mesmo deve ser para um esloveno diante dos fonemas de Taquarituba, não somente pelo nheengatu aportuguesado como também pelo fato de que nem a letra q existe no alfabeto local.
A vingança do gringo que sofre para aprender uma nova língua é, afinal, uma sopa de letrinhas que se toma fria.
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