Um dos principais gargalos para o enfrentamento da pandemia, a ausência de testes para a Covid-19 é reclamação constante de hospitais públicos e particulares. Luiz Henrique Mandetta, à frente do ministério da Saúde até a tarde de quinta, 16, já repetiu inúmeras vezes em coletivas de imprensa: “não há testes para todo mundo”. Para quem está disposto a pagar, no entanto, os testes são acessíveis em esquema delivery. Laboratórios particulares oferecem serviços de atendimento domiciliar para testar interessados, tanto no formato individual quanto em mutirão. Alguns condomínios de classe média alta e de luxo em São Paulo e no Rio de Janeiro cedem o espaço de lazer para laboratórios fazerem testes de todos seus moradores – deixando de fora os funcionários do edifício, que exercem trabalhos como limpar os botões de elevadores.
O Labi Exames tem feito mutirões do tipo na capital paulista, em prédios de bairros como Jardins e Pinheiros, com equipe munida com luvas, máscaras e máquina de cartão de crédito. Para não ter aglomeração, a ordem é atender uma família por vez. Os valores são de 298 reais para o PCR (feito pela mucosa do nariz e garganta) e 198,45 para o sorológico (sangue). O laboratório do Albert Einstein também faz testes delivery nos prédios, mediante agendamento por telefone: 250 reais pelo PCR (fica pronto em 72 horas) e 417,80 pelo sorológico (48 horas). Devido ao frenético pedido de exames delivery, o Einstein só tem vaga para daqui a duas semanas.
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Clique e Assine“Existe demanda de condomínios, clubes e empresas, mas a nossa prioridade tem de ser a qualidade e confiança do exame”, diz Gustavo Campana, diretor-médico da Dasa, rede de laboratórios que inclui Delboni, Alta, Lavoisier e Vital Brasil e atende em quase todos os estados do Brasil. A Dasa também faz exames delivery. Campana lembra que, com a demanda alta, muitos laboratórios pequenos e prefeituras têm importado testes sem saber a procedência do fabricante. “Todo rigor é fundamental neste momento.”
Existem dois tipos de testes: o molecular, chamado de PCR, capaz de identificar o DNA do vírus e detectar sua presença no organismo desde o primeiro dia de infecção. Ele mede isso pela mucosa nasal e da garganta e o material é levado para ser processado em uma máquina ao longo de cinco horas. Esse teste está em falta em todo o mundo e, segundo a orientação a Organização Mundial da Saúde, deve ser administrado em pessoas sintomáticas grave. O outro teste é o sorológico, que identifica a presença de anticorpos no sangue. Ele é indicado a partir do sétimo dia em que a pessoa está infectada. Na tentativa de ficar seguro em relação ao seu status sorológico, o teste sorológico pode causar danos severos. Se a pessoa contaminada faz esse teste no começo da presença do vírus, o teste pode dar o “falso negativo”.
Com a pandemia e o medo instaurados, proliferaram no mercado mundial fabricantes de testes – a maior parte são da China e da Coreia do Sul. Em meados de março, a Anvisa se viu então obrigada a mudar seu protocolo. Não é mais a agência quem testa e valida, pois com a demanda alta ela não teria tempo e mão de obra para fazer centenas de novos testes de marcas diferentes que são importados para o Brasil. “Existe uma grande variedade de fabricantes, é importante que cada laboratório faça uma validação desses testes”, explica Carlos Eduardo Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica. A Dasa não aplica o teste rápido, que fica pronto em questão de minutos, por não sentir confiança nos fabricantes. Já a empresa ZDI Diagnóstico de Imagem, de São Paulo, cobra 320 reais pelo teste rápido feito no laboratório, localizado na Zona Leste da cidade.
Há um grande risco do teste delivery dar a falsa sensação de segurança. Segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia, o teste sorológico só detecta o contato com o vírus após o sétimo dia de exposição. Muitas vezes, os testes têm eficácia de 80%. Ou seja, estão longe de uma precisão total. “A pessoa faz esse exame um dia após estar exposta ao vírus, e o resultado vem negativo. Com isso, ela se sente segura, não se cuida e transmite para mais pessoas”, diz o infectologista Ralcyon Teixeira.
Feitos em casa ou não, os testes no esquema delivery exigem o pedido médico – algo fácil de se obter sobretudo por pessoas de classe média. O laboratório do Einstein pede o atestado na hora de fazer o teste, O Labi Exames e a rede Dase solicitam o documento por WhatsApp na hora de agendar. No Brasil, são feitos pela rede particular 50.000 testes do tipo PCR por dia.
A respeito de sua política relacionada aos testes-delivery, o Hospital Albert Einstein enviou a seguinte nota a VEJA: “O Hospital Israelita Albert Einstein conta com uma quantidade limitada de insumos e prioriza a realização de exame diagnóstico para o novo coronavírus nos pacientes com manifestações agudas respiratórias graves no pronto atendimento ou quando necessitam de internação. Por outro lado, é responsabilidade da organização atender a todos que precisam realizar os exames solicitados por especialistas e, para evitar deslocamentos e a disseminação da COVID-19, é oferecida a coleta domiciliar, que segue o mesmo processamento laboratorial dos exames coletados no hospital.”
O Labi Exames diz usar testes importados de quatro fornecedores, mas a gerente comercial da empresa não informa os nomes delas aos interessados. Ao fim dos exames do Labi Eames, consta o seguinte recado: “os resultados e comentários dos exames não se propõem a dar um diagnóstico final. Este só poderá ser feito por um médico assistente que avaliará a história clínica, exame físico em conjunto com exames laboratoriais”.