O que está causando o divórcio do público com as novelas da TV Globo
Análise: audiência na TV aberta preocupa e concorrência avança
Há tempos os teóricos da comunicação no Brasil se debruçam num tema cada vez mais evidente com os números de audiência: o enfraquecimento das telenovelas, o maior produto de entretenimento gratuito do país. Renascer, por exemplo, teve uma média geral de 25,4 pontos na Grande São Paulo, de acordo com o Kantar Ibope. O capítulo final teve uma média de 27 pontos, com pico de 29, sendo a segunda pior audiência de um final de novela das nove da história da Globo. Ficou à frente apenas de Um Lugar ao Sol (2021), que teve média de 25 pontos.
A primeira fase de Mania de Você, trama de João Emanuel Carneiro que ficou no lugar de Renascer, conquistou apenas 18,9 pontos de média na Grande SP; um número muito baixo para o dito “horário nobre” da TV aberta – com a minutagem mais cara para a publicidade.
Mas o que está de fato causando divórcio do público com as novelas da TV Globo? Há uma série de hipóteses que vêm sendo levantadas. A primeira e mais forte é que o streaming chegou para sacudir o mercado audiovisual no país, levando a emissora, até então detentora das produções nacionais de qualidade, a ter de fato um concorrente à altura. Nunca se consumiu tanto ficção televisiva quanto agora. Mas também nunca antes se teve tanta opção de qualidade.
A segunda hipótese é a própria consequência desse fenômeno. A TV Globo não estaria sabendo lidar com a “nova” concorrência ao tentar “imitar” as séries, o que causa estranhamento no público mais fiel das novelas – vide Mania de Você que, entre outras características, apresenta um ritmo acelerado de passagem de tempo e escalação enxuta que mais parece saída de uma plataforma. Se antes a concorrência da emissora hegemônica era produções sofríveis, em sua maioria, do SBT e da TV Record, agora o jogo ficou mais duro com séries que dialogam diretamente com o público jovem.
E aí entra a terceira hipótese, interligada às duas anteriores. Este público jovem já não se identifica e tem interesse pelas narrativas da TV aberta. Não é “in” ver TV aberta. Perdeu-se o encanto. Com o fim de Malhação, em 2020, num formato já deveras desgastado ao permanecer no ar desde 1995, essa faixa etária de público não se apegou aos projetos que vieram a seguir. A TV Globo demorou a reagir quanto a pautas identitárias e maior representatividade de diversidade em suas tramas, algo que as séries apresentaram desde que chegaram com força no streaming.
O drama que se aprofunda é que “essa faixa etária de público” é a que um dia será chamada de público tradicional, também é a que mais consome e a que mais interessa a anunciantes. Há luz no fim do túnel? Sim. Principalmente em se tratando de TV Globo, que detém capital financeiro e talentos para revirar o sombrio jogo da ficção televisiva e retomar o diálogo perdido com determinadas camadas da sociedade. O streaming mostra forças, em paralelo, avisando que não é uma moda passageira de consumo. A TV aberta precisará conviver com este cão que ladra alto – e vem mordendo o calcanhar de quem andava tranquilamente – no antes tranquilo terreno das narrativas audiovisuais. Não há mais jogo ganho por aqui.