Carolina Nocetti é a primeira médica com experiência internacional em consultoria técnica e aplicações clínicas de cannabis no Brasil. Sua luta é pela democratização da medicina humanizada e integrativa. Ela comemora que, já no primeiro mês como governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tenha sancionado a lei de acesso à cannabis medicinal. De acordo com a Sociedade Brasileira de Estudos da Dor (SBED), ao menos 37% da população brasileira, cerca de 60 milhões de pessoas, relatam sentir dor de forma crônica – uma das indicações para o uso de cannabis. Para Nocetti, estes e outros pacientes poderiam ter acesso à terapia com a planta.
Quais são os benefícios práticos da cannabis no uso medicinal? No tratamento da esclerose múltipla, náusea e vômito, e da epilepsia. Mas a gente também vê respostas positivas no tratamento da ansiedade, insônia, doença de Alzheimer, Parkinson, depressão, dependência química e doenças autoimunes, como a psoríase por exemplo.
Como a maconha pode ajudar no combate à dependência química? Inesperado né? O óleo rico em Canabidiol, com um pouquinho de THC, diminui fissuras de uma maneira geral, pode ser fissura da comida… Por isso que tem muita gente que emagrece usando. Como pode ser a fissura do crack ou da cocaína. Até na dependência da cannabis de forma fumada.
Com tantos prós, o que explica muitas pessoas serem contra seu uso medicinal? Essa é a pergunta de um milhão de dólares. É ignorância! Infelizmente não é falado, então é um desafio de comunicação, não é um desafio de ciência. E quem vai virar essa chavinha são os comunicadores, para fazerem essa tradução do conteúdo científico para o conteúdo leigo.
Mas dentro da comunidade médica, também há certo conservadorismo com o tema. Muito, mas está melhorando. Um exemplo recente, do qual participei desde 2019 com o deputado Caio França (PSB). A gente fez audiências públicas e agora o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sancionou a lei aprovado na ALESP, regulamentando a distribuição gratuita de cannabis pelo SUS. Demoramos três anos para conseguir concluir o projeto. Mas é uma revolução, não tem um país do mundo dando cannabis de graça para ninguém e o Brasil vai ser o primeiro. As pessoas vão tendo menos preconceito.
O que falta para a democratização do acesso para uso medicinal no Brasil? Temos uma lista do Conselho Federal de Medicina, com evidências conclusivas. Mas também não quero dizer que eles estão recomendando. Então certamente um aumento dessa lista pelo CFM seria importante, expandir seu uso para além da epilepsia. Independentemente dessa lista, pelo ato médico, a gente pode prescrever o que quiser ao paciente.
A pauta levantada por artistas em músicas, como Ludmilla e Anitta, ajuda ou atrapalha o debate? Olha, tudo que mistura o medicinal com o adulto pode atrapalhar o processo. Como médica, falo única e exclusivamente sobre o uso medicinal. Sempre que cito algo que não é do medicinal, levo críticas. Então temos que separar. Como médica, não tenho conhecimento para falar do uso adulto, tenho conhecimento da planta, mas minha área é medicinal.
Você reprova o uso recreativo da maconha? Tudo que for dentro de uma política de redução de danos, eu aprovo. É melhor o paciente fazer o uso da cannabis, do que do crack, isso é óbvio. Até do uso do álcool, porque o álcool mata. Já a cannabis matou zero pessoas até hoje na sua forma natural. Se for dentro de uma política de redução de danos, a gente tem que considerar essa possibilidade.
Por ser uma das pioneiras nesse tratamento no país, recebe muito ataque? Muito por rede social, de pessoas achando que estou de um lado do espectro político. Tenho que ser da posição do meu paciente. Misturar política com medicina é um negócio que não dá certo.
O Brasil está preparado para a legalização da maconha? Sim, está pronto para fazer uma regulamentação mais abrangente, porque não é ilegal o uso da cannabis para fins medicinais. A democratização do acesso depende de regulamentação mais abrangente na esfera federal.